No coração granítico da cidade mais alta de Portugal, esconde-se um segredo escultural que desafia o tempo, a moral e até a vizinhança: o enigmático e provocador “Cu da Guarda”. Esculpido numa das gárgulas da majestosa Sé Catedral, este detalhe escatológico é muito mais do que uma curiosidade obscena — é símbolo de identidade local, humor irreverente e resistência histórica contra os castelhanos. Entre pedras centenárias e silêncios cúmplices, esta escultura ousada continua a arrancar gargalhadas e a alimentar o orgulho dos guardenses, como se o granito tivesse memória… e sentido de humor.
A Guarda, altiva sobre o granito das Beiras, é uma cidade que se impõe ao horizonte e ao tempo. Fundada por D. Sancho I em 1199, foi pensada como sentinela do reino, virada para as montanhas, a neve e a linha da fronteira. Uma cidade-fortaleza. Um bastião português de pedra e orgulho.
Mas para lá das muralhas, das igrejas e do frio cortante, a Guarda tem um segredo que poucos forasteiros conhecem — um segredo que se transmite de boca em boca, em tom de riso ou murmúrio cúmplice. Um segredo com mais de quatrocentos anos, esculpido num lugar improvável: a Sé Catedral.
Sim, a imponente Sé, obra-prima do gótico nacional, guarda entre os seus pináculos uma escultura invulgar, escatológica e provocadora. Falamos do “Cu da Guarda”, como é carinhosamente — ou descaradamente — conhecido pelos habitantes locais, refere o sítio Portugal num Mapa.

A gárgula que ri de Espanha
Imagine-se diante da Sé, essa catedral granítica onde o céu parece mais próximo. Contemple-se a fachada austera, os contornos góticos, os arcos ogivais que guardam séculos de fé. Agora dê-se a volta ao edifício. Escondida num canto alto, por baixo de um dos pináculos das traseiras, está a tal gárgula.
Não é preciso ser especialista para perceber o que ali está: duas nádegas, perfeitamente esculpidas, abertas, emoldurando um ânus bem visível. O mais português dos monumentos anais, virado diretamente para Castela. Uma provocação eternizada em pedra.
E por mais que o riso seja inevitável, o simbolismo não pode ser ignorado. Este não é apenas um gesto brejeiro. É uma herança histórica de tempos de tensão com os nossos vizinhos do lado. A Guarda era, afinal, uma cidade fronteiriça, frequentemente em pé de guerra com Castela. Nada mais natural que a arte local refletisse esse espírito combativo — e que o fizesse com humor.

Uma herança esculpida na sombra da autoridade
Quem criou o Cu da Guarda? Não há registos. O nome do escultor perdeu-se no tempo, como se o próprio quisesse permanecer no anonimato, deixando que a sua obra falasse — ou, neste caso, se expusesse — por si.
Há quem diga que foi feito à revelia da Igreja. Outros defendem o contrário: que o bispado teria não só conhecimento como cumplicidade. Afinal, as gárgulas nas igrejas medievais nunca foram símbolos de pureza. Eram grotescas, bizarras, diabólicas por vezes. Serviam para afastar o mal — e também para o representar, de forma a lembrar aos crentes o que existia para lá da fé.
Neste caso específico, talvez tenha havido um desejo simbólico e até político: afirmar que Portugal estava de costas voltadas para Castela. Ou mais que isso — que o desprezo era tão grande que o que se oferecia aos espanhóis era, literalmente, o rabo da nação. Uma metáfora de pedra, à prova de tempo e convenções.
O papel da gárgula: entre função e ficção
Importa não esquecer que as gárgulas tinham também um papel funcional — eram sistemas primitivos de escoamento de água da chuva. Mas os mestres pedreiros da Idade Média deram-lhes sempre um lado artístico e simbólico, sobretudo em edifícios religiosos.
A colocação de figuras grotescas nas igrejas pode parecer contraditória, mas era, de facto, intencional. Serviam como advertência aos fiéis, mostrando o lado feio e monstruoso da alma humana, para contrastar com a pureza prometida no interior do templo. Eram lembretes visuais do pecado, da tentação, do inferno — e, em certos casos como este, também da política e da sátira social.
O Cu da Guarda talvez tenha sido apenas mais uma dessas advertências. Ou talvez tenha sido uma das raras vezes em que a arte medieval se atreveu a piscar o olho ao povo — com um humor que, séculos depois, continua a provocar sorrisos.

Identidade, orgulho e arte contemporânea
Hoje, o Cu da Guarda não é apenas uma gárgula antiga. É um símbolo cultural. Um marco secreto. Um emblema identitário que só os guardenses verdadeiros conhecem — e partilham com quem sabe perguntar.
Tem inspirado artistas, escritores, artesãos e performers. Já foi retratado em caricaturas, citado em peças de teatro, desenhado em murais. É parte viva do património oral da cidade — aquele tipo de história que não se aprende nos livros, mas sim à mesa, num café, numa conversa com um velho habitante da cidade.
E essa é talvez a sua maior riqueza: o facto de continuar vivo, de continuar a provocar emoções, dúvidas, gargalhadas e orgulho. Porque nem todos os monumentos se querem sérios. Nem toda a memória tem de ser solene. Às vezes, um bom rabo de granito diz mais sobre a história de um povo do que muitos tratados.
E na Guarda, a cidade onde o céu toca a pedra, o humor toca o coração da sua gente.
Nota final:
Se for visitar a Sé, não se esqueça: não olhe apenas para cima à procura dos sinos. Pergunte a um local, com respeito, mas sem medo: “Desculpe… onde fica o Cu da Guarda?”
Vai ver que a resposta vem com um sorriso. E talvez com uma pequena lição de história como só os guardenses sabem contar.
!!!!K HORROR, TÃO FEIO !!!!! MAS MT LENDÁRIO!!!! AGRADECIDA
Muito largo!