A meio caminho entre Alcáçovas e Viana do Alentejo, perdido entre os campos dourados e os horizontes silenciosos do Alentejo, ergue-se um monte que carrega consigo não apenas a beleza típica da região, mas também o peso simbólico de um dos momentos mais decisivos da história contemporânea portuguesa.
Hoje, o Monte do Sobral é uma tranquila unidade de turismo rural. Mas há pouco mais de meio século, foi palco de uma reunião clandestina que viria a mudar o rumo do país. A 9 de setembro de 1973, mais de 130 oficiais das Forças Armadas reuniram-se em segredo naquele espaço isolado para dar início ao Movimento das Forças Armadas (MFA), embrião do que viria a ser a Revolução de Abril.
A semente da liberdade
“Era um monte completamente isolado e muito difícil de lá chegar”, recorda José Luís Cardoso, um dos militares presentes naquele dia, então capitão na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas. A escolha do local foi estratégica: longe dos olhares atentos da PIDE e do regime salazarista, o monte oferecia o abrigo necessário para um encontro arriscado, mas urgente.
Foi Diniz de Almeida, também capitão e já falecido, quem conseguiu o espaço, através de um contacto familiar com o rendeiro Celestino Garcia. O local foi preparado com discrição. Os mapas com a localização chegaram a cada oficial por vias separadas, evitando qualquer rasto que denunciasse a operação.
Reunidos ao ar livre, os militares falaram sobre os decretos que alteravam as carreiras nas Forças Armadas — mas o verdadeiro motivo que os movia era outro. A insatisfação com o regime, o desejo de liberdade, a ânsia de um país diferente. “Ninguém falou em golpe de Estado”, lembra José Luís Cardoso. “Falou-se da injustiça dos decretos. Mas estávamos lá por algo maior: a necessidade de mudança.” Discursaram em cima do atrelado de um trator, assinaram um abaixo-assinado e regressaram aos seus quartéis com uma certeza silenciosa: tinham dado o primeiro passo rumo à liberdade.

Do segredo ao símbolo
Durante anos, o Monte do Sobral manteve-se discreto. Nem nas aldeias vizinhas se murmurava sobre aquele encontro. “Fizeram tudo tão bem feito que não transpirou nada cá para fora”, afirma Marco Fragoso Fernandes, então proprietário do monte, que só soube do acontecimento semanas depois.
Décadas depois, o monte conheceu um novo destino. Em 2019, foi comprado por Annick Chef, uma francesa de Avinhão que encontrou no Alentejo não só um refúgio seguro, mas também uma paixão inesperada pela história que ali habitava. “Teria comprado na mesma, mas quando soube da história, disse a mim própria: porque não aproveitar esta oportunidade?”, conta.
Hoje, o Monte do Sobral é uma casa rural com nove quartos, jardim, piscina e uma ampla sala para eventos. Mas não é apenas a tranquilidade do campo que atrai os visitantes.
Muitos vêm em busca de um reencontro com a história. “Há quem venha só para dormir ali, para sentir o peso daquele lugar onde tudo começou”, revela Annick.
Um lugar de memória viva
Com o apoio da Associação 25 de Abril, o monte recebe todos os anos, a 9 de setembro, uma cerimónia evocativa da reunião original. Para este ano, está prevista a colocação de uma chaimite — a viatura militar que se tornou símbolo da revolução — no local, como marco permanente da memória.
Annick sonha com mais. Quer dinamizar o monte com eventos culturais, recriações históricas e envolver a comunidade das três freguesias do concelho: Viana do Alentejo, Alcáçovas e Aguiar. “Gostava de fazer uma reconstituição daquela primeira reunião, com a ajuda da população. Seria uma forma bonita de manter viva esta memória.”
Um monumento vivo à coragem
O Monte do Sobral é hoje mais do que uma unidade turística: é um monumento vivo à coragem, ao inconformismo e à capacidade de sonhar com um país diferente. Passar por ali é tocar numa página decisiva da história de Portugal, é lembrar que a liberdade começou com um mapa entregue em silêncio, com uma reunião no campo, com a ousadia de quem arriscou tudo para que todos pudessem viver em democracia.
E é essa memória, intacta e pungente, que continua a atrair quem por ali passa — não apenas para descansar, mas para sentir, mesmo que por instantes, o pulsar da liberdade onde ela começou a ganhar forma.