Sabe distinguir cada um dos recursos de estilo que existem? Esclareça todas as suas dúvidas: sabe o que é ironia?
O ato de comunicar é um desafio, pois depende de nós, mas também do(s) outro(s). A comunicação tanto pode ser objetiva, fria e literal, como pode ser mais livre, mais artística, mais criativa. Essa é uma das diversas riquezas da língua portuguesa, que é um património de valor incalculável, partilhado por diferentes povos, nomeadamente os que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Os recursos de estilo tornam a nossa língua bem mais rica, contribuindo para que o ato de comunicar seja mais complexo e, simultaneamente, mais apaixonante. Os recursos estilísticos ou as figuras de estilo tornam a comunicação mais rica, com mais variáveis a serem levadas em linha de conta. Entre eles está a ironia.
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Língua Portuguesa: sabe o que é ironia?
Exercício
– “(…) também meu coração, como estas flores, melhor perfume ao pé da noite exala.” Camões
– “Ele foi desta para melhor.”
– Não preparaste a tua apresentação? Então, vai correr muito bem!…
– “O rei […] deu um banquete em sua honra, com todos os condes, os marqueses, os barões e os grandes do reino.” (Italo Calvino)
– “Tu de amante o teu fim hás encontrado.” (Gregório de Matos)
– “Rios te correrão dos olhos se chorares.” (Olavo Bilac)
– “Eu não posso senão ser desta terra em que nasci.” (Jorge De Sena, «Quem a tem…»)
– “Distante, entre o escuro dos montes me esconder não poderia.”
– “O sapo e a raposa resolveram e acordaram fazer uma sementeira a meias.” (Ataíde de Oliveira (rec.), in Contos Tradicionais Portugueses, Figueirinhas, 1975)
– “A mochila a pesar toneladas de tanto livro e tanto dossier.” (Alice Vieira, Trisavó de Pistola à Cinta, Caminho, 2001)
Ironia, sabe o que é?
Se aceitou fazer o desafio e permanece ainda com dúvidas, esclareça-as prosseguindo a leitura do presente artigo.
Significado
Ironia
Termo que vem do grego eironeía, interrogação, pelo latim ironĭa-, com o mesmo significado. É uma forma de humor que consiste em dizer o contrário daquilo que se pretende dar a entender. Uso da palavra ou expressão em sentido oposto àquele que se deveria usar para definir algo.
É ainda situação, facto ou sequência de acontecimentos que contraria o que seria expectável de um modo fortuito, insólito ou caricato (sobretudo se a constatação gera um sentimento que mistura o riso com a amargura).
Ironia socrática é a atitude discursiva (característica de Sócrates, filósofo grego) de quem se declara ignorante e disposto a aprender com outro para poder dirigir-lhe algumas questões que exponham as contradições do seu pensamento e levem o interrogado a duvidar do próprio conhecimento.
É um recurso estilístico que veicula um significado diferente ou contrário daquele que deriva da interpretação literal do enunciado (exemplo: bonito serviço!).
Ironia é a figura da retórica de pensamento que se caracteriza pela distância, identificável pelo contexto, entre aquilo que é verdadeiramente dito e aquilo que na verdade se pretende dizer.
Um bom texto pode perder impacto se a ironia for demasiado subtil ou velada. O efeito da ironia esvai-se ou perde-se. Para haver sucesso na ironia, é também necessário haver a cooperação, a cumplicidade e a sagacidade do interlocutor ou do leitor, pois ele tem de perceber pela análise do conteúdo e do contexto que o que é dito ou escrito é precisamente o contrário daquilo que o autor pretende expressar.
Sarcasmo é uma figura retórica de pensamento próxima da ironia. Contudo, apresenta em relação ao destinatário uma agressividade e uma intencionalidade disfórica que não ocorre com a ironia.
Análise
Exemplo 1: A minha filha tirou umas notas fantásticas e, por isso, está de castigo!
Explicação 1: Ironia é a figura que consiste em transmitir, intencionalmente, o contrário daquilo que se pensa. Pelo contexto, percebemos não só aquilo que o autor profere, mas também aquilo que não diz, mas que fica subentendido.
Como as notas foram merecedoras de castigo, não podiam ter sido fantásticas. O autor da frase caracteriza as notas como fantásticas. No entanto, percebemos (pelo castigo imposto) que as notas foram precisamente o inverso: foram muito más.
Exemplo 2: “(…) já os briosos homens da Polícia de Intervenção corriam a bom correr até à Cervejaria Munique, onde se refugiaram atrás do balcão (…)”. Mário de Carvalho, A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho.
Explicação 2: Ironia é a figura que consiste em transmitir, intencionalmente, o contrário daquilo que se pensa. Quando o autor define os homens da Polícia de Intervenção como briosos, está a ironizar, pois pelo contexto da frase esses homens que correm para se refugiar atrás do balcão são precisamente o oposto de briosos.
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Respostas
Agora que conhece o significado do recurso estilístico em análise, já podemos voltar a analisar as frases do desafio com outro conhecimento. Seguramente que agora pode identificar melhor qual a frase que está certa (ou quais são as frases que estão certas) e quais as que estão erradas.
É ou não é uma ironia?
– “(…) também meu coração, como estas flores, melhor perfume ao pé da noite exala.” (L. Camões) X
– “Ele foi desta para melhor.” X
– Não preparaste a tua apresentação? Então, vai correr muito bem!… ✓
– “O rei […] deu um banquete em sua honra, com todos os condes, os marqueses, os barões e os grandes do reino.” (Italo Calvino) X
– “Tu de amante o teu fim hás encontrado.” (Gregório de Matos) X
– “Rios te correrão dos olhos se chorares.” (Olavo Bilac) X
– “Eu não posso senão ser desta terra em que nasci.” (Jorge De Sena, «Quem a tem…»). X
– “Distante, entre o escuro dos montes me esconder não poderia.” X
– “O sapo e a raposa resolveram e acordaram fazer uma sementeira a meias.” (Ataíde de Oliveira (rec.), in Contos Tradicionais Portugueses, Figueirinhas, 1975). X
– “A mochila a pesar toneladas de tanto livro e tanto dossier.” (Alice Vieira, Trisavó de Pistola à Cinta, Caminho, 2001). X
Fique a conhecer mais exemplos de ironia:
“Senhora de raro aviso e muito apontada em amanho de casa e ignorante mais que o necessário para ter juízo.” (Camilo Castelo Branco)
Fale um pouco mais alto. Lá da esquina ainda não o ouvem!
“Muito benigna e pródiga a Dona Inácia. Chegava à loucura por um tostão.” (Machado de Assis)
“Se acha que a vida não é boa / utilize gás da Companhia / o combustível de Lisboa” (Alexandre O’Neill)