A comunicação nem sempre é objetiva, fria e literal. Pode ser artística, livre, criativa. O que é uma personificação? Sabe distinguir os recursos de estilo que existem?
Quem comunica pode desenvolver um discurso livre e criativo recorrendo a recursos de estilo. Existem muitos e entre eles estão as figuras de estilo que tornam o ato de comunicar bem mais complexo, mas mais sedutor e cativante. A expressão adquire outros valores, novas dimensões, quando se recorre a um recurso estilístico ou a figuras de estilo. Entre eles está a personificação. Consegue identificá-la num conjunto com vários recursos de estilo?
Língua Portuguesa: personificação, sabe o que é?
Recursos de estilo ou figuras de estilo
Estas ferramentas da comunicação permitem um discurso mais rico, com outras variáveis, fornecem mais expressividade, mais beleza, mais emoção. Destinamos o nome de «recurso estilístico» a todo o processo linguístico a que um autor recorre para exprimir os seus pensamentos com facilidade, propriedade ou originalidade.
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Entre os recursos usados pelo autor para se exprimir estão as denominações morfológicas ou as classes de palavras (entre elas, há a adjetivação, as onomatopeias, …). Algo distinto delas são as figuras de estilo (também identificadas como gramaticais ou de retórica) que representam um ramo particular dos recursos estilísticos. Este termo remonta à antiguidade grega, à Grécia que tanto influenciou o mundo, pertencendo ao campo da retórica.
Exercício
Temos um desafio para testar as suas capacidades, quer testar os seus conhecimentos sobre recursos estilísticos? Então responda à questão: Qual (ou quais) das seguintes frases é/são exemplo de uma personificação?
– “Ele foi desta para melhor”
– “O Mito é o nada que é tudo”. (Fernando Pessoa).
– “É urgente o amor / É urgente um barco no mar.” (Eugénio de Andrade)
– “Basta a fé no que temos. / Basta a esperança naquilo / que talvez não teremos.” (Sebastião da Gama)
– “A rapariga era desprovida de beleza.”
– “O sapo e a raposa resolveram e acordaram fazer uma sementeira a meias.” (Ataíde de Oliveira ).
– “Eles não sabem que o sonho / é tela, é cor, é pincel,” (António Gedeão).
– “O rei […] deu um banquete em sua honra, com todos os condes, os marqueses, os barões e os grandes do reino.” (Italo Calvino)
– “Que dia tão feliz, a sorte sorriu-me.”
– “Subiu escadas, desceu escadas, entrou e saiu de cada sala, deu voltas ao jardim, tornou a correr a casa toda. Até que de repente parou e foi enroscar-se, como sempre, aos pés do meu pai, quer dizer, em frente da cadeira vazia onde meu pai costumava sentar-se.” (Manuel Alegre)
Como podemos ver, há diferentes recursos de estilo, portanto este é um desafio interessante. Será que adivinhou qual (ou quais) das frases é um exemplo de uma personificação? Antes de identificarmos as respostas certas devemos analisar o conceito.
Significado
Personificação
O termo personificação é um substantivo feminino que significa acto ou efeito de personificar. É uma uma representação pessoal. Pessoa que representa a concretização de determinado princípio ou modelo. Alguém que seja exemplo perfeito, o tipo ideal, protótipo de algo. Indivíduo que interpreta ou representa de modo perfeito uma ideia ou alguma coisa de teor abstrato.
No domínio da retórica significa Figura em que escritor ou o orador atribui o dom da palavra, ou o sentimento, ou a acção (ou outras características que são próprias dos seres humanos) a mortos ou a ausentes, mas também a seres vivos que não são humanos ou mesmo a seres inanimados.
É um recurso expressivo que consiste em atribuir a uma coisa, um ser inanimado ou um ser abstrato propriedades exclusivamente humanas. Igual a metagoge, prosopopeia. Assim, personificar é atribuir dotes pessoais a objetos inanimados. Representar em forma de pessoa. Personalizar.
Nota: Sendo um estilo bastante explorado na literatura em geral, é particularmente usado em contos infantis, nomeadamente em histórias de fantasias e fábulas. Este recurso encaixa perfeitamente numa narrativa mais livre e mais expressiva. Um texto literário interessante que explore dimensões mais criativas, mais dramáticas, mais poética podem recorrer à personificação.
Análise
Pretende ver um exemplo?
Exemplo: “Lá ao fundo o bolo abominável sorria, a limpar o creme que lhe escorria ao de leve entre o açúcar.” (Mário-Henrique Leiria, Contos do Gin-Tonic, Ed. Estampa, 2007).
Explicação: Como podemos ver neste exemplo a personificação do bolo contribui para o carácter distinto deste conto, nesta pastelaria insólita o próprio bolo desafia o cliente.
Respostas
Agora que temos um conhecimento aprofundado sobre o conceito, podemos voltar ao desafio. Analisemos as frases apresentadas no nosso exercício, uma última vez. Agora temos total conhecimento para identificar qual a que está certa (ou quais as que estão certas) e quais as que estão erradas, não temos?
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É ou não é uma personificação?
“Ele foi desta para melhor” X
“O Mito é o nada que é tudo”. (Fernando Pessoa). X
“É urgente o amor / É urgente um barco no mar.” (Eugénio de Andrade) X
“Basta a fé no que temos. / Basta a esperança naquilo / que talvez não teremos.” (Sebastião da Gama) X
“A rapariga era desprovida de beleza.” X
“O sapo e a raposa resolveram e acordaram fazer uma sementeira a meias.” (Ataíde de Oliveira ). ✓
“Eles não sabem que o sonho / é tela, é cor, é pincel,” (António Gedeão). X
“O rei […] deu um banquete em sua honra, com todos os condes, os marqueses, os barões e os grandes do reino.” (Italo Calvino) X
“Que dia tão feliz, a sorte sorriu-me.” ✓
“Subiu escadas, desceu escadas, entrou e saiu de cada sala, deu voltas ao jardim, tornou a correr a casa toda. Até que de repente parou e foi enroscar-se, como sempre, aos pés do meu pai, quer dizer, em frente da cadeira vazia onde meu pai costumava sentar-se.” (Manuel Alegre) X
Fique a conhecer mais exemplos de personificação:
- “A vida é cruel”
- “O gato estava apaixonado pela encantadora e tímida gatinha”.
- “só parou quando a espuma das ondas lhe veio beijar os pés, muito maneirinha.” (José Cardoso Pires)
- “Pobres de nós! – gemiam os grandes jacarés.” (José Mauro Vasconcelos)
- “Os montes de mais perto respondiam, / Quase movidos de alta piedade;” (Luís de Camões).