Porque acabaram as touradas na cidade do Porto? À semelhança de qualquer outra localidade da lezíria do Tejo, a cidade do Porto foi igualmente palco de inúmeros festejos tauromáquicos durante a idade média, que decorreram com grande fervor nas ruas e praças da invicta até ao século XIX, mas que acabaram por desaparecer com o fim da monarquia pelo desinteresse e repúdio da população portuense em relação ao maltrato injustificado e cruel dos animais.
O repúdio dos portuenses pelas touradas levou à falência das empresas tauromáquicas, e no século XIX a atos mais exacerbados que culminaram com a demolição e, em alguns casos, a queima das praças de touros da cidade (casos das praças da Aguardente e da Areosa).
As touradas começaram a perder fulgor no Porto a partir de 1830, altura em que muito se contestava o espetáculo pelo uso e abuso dos animais. Várias tentativas foram feitas nas décadas seguintes para trazer de volta os touros à cidade mas sempre sem sucesso.
Na década de 70 do século XIX assistiu-se a uma súbita edificação de praças de touros por todo o país e uma tentativa de impor à cidade do Porto a tradição das touradas com a construção de 3 praças de touros (Cadouços, Rua da Boavista e Largo da Aguardente). Mas a tentativa resultou num grande insucesso devido ao desinteresse da população.
Ramalho Ortigão satirizou o episódio como uma fugaz cópia dos hábitos da capital, considerando-o desgarrado e sem qualquer tradição: “Ao cabo de dois anos ninguém mais voltou aos touros.” Também Pinho Leal deixou registado o seu conformismo com o fracasso da reintrodução das touradas e os gostos dos portuenses “nada depõe contra o gosto e a humanidade dos portuenses”.
As 3 praças desapareceram em menos de cinco anos, com fracas receitas e a falência das empresas que as geriam. A imprensa escrita da cidade fazia eco da antipatia e indignação popular em relação às touradas.
O Jornal Comércio do Porto em 1870 escrevia nas suas páginas: “Vê-se que infelizmente se porfia no intento de introduzir nesta cidade um divertimento contrário à índole e hábitos dos seus habitantes, porém ainda que o não fosse, nem por isso ele deixaria de ser menos condenável e digno de reprovação” – Comércio do Porto, 26 de janeiro de 1870.
“As touradas tendem a acabar no Porto, com o que nada se perde.”
O Comércio do Porto, 21 de setembro de 1897
No final do século XIX foi realizada a última grande ofensiva para tentar ressuscitar a afición dos portuenses com a construção de duas novas praças de touros na cidade – Rotunda da Boavista e Praça da Alegria – a que se juntaram as praças erguidas na Serra do Pilar (V. N. de Gaia), Matosinhos e Granja.
O Real Coliseu Portuense (Rotunda da Boavista) foi a mais imponente e maior praça de touros da cidade do Porto. Acolhia cerca de 8.000 espectadores e possuía 2 restaurantes, camarotes, bancadas, salão de bilhares, cafés e quiosques de venda de jornais, além de dispor de iluminação elétrica.
O exuberante redondel foi construído por dois empresários que fizeram fortuna no Brasil, mas 6 anos depois estava ao abandono.
Passado o período da curiosidade despertado pela imponência e o exotismo do edifício, o povo do Porto não se rendeu à tentativa de imposição de uma tradição, já na altura considerada anacrónica e sem raízes na região. Os touros e os toureiros eram importados do Ribatejo e Estremadura.
Poucos anos depois da inauguração a praça de touros viu-se obrigada a acolher outro tipo de espetáculos como demonstrações de natação e equilibrismo e acabou por ser abandonada e demolida em 1895.
As praças de touros da Serra do Pilar e da Rua da Alegria não tiveram melhor sorte e acabaram por fechar portas. A imprensa dava conta desta realidade, antecipando o evidente desfecho: “De há muito os portuenses têm demonstrado a sua pouca afeição às diversões tauromáquicas. (…) Assim, as touradas tendem a acabar no Porto, com o que nada se perde.” – O Comércio do Porto, 21 de setembro de 1897.
Já no século XX, ainda antes da implantação da República, surgiram duas novas praças de touros no Porto: Areosa e Bessa mas a sua história foi igualmente breve e não existem registos de atividade significativa nestes redondéis. Ainda se tentou erguer uma praça de touros nas Antas, na atual Praça Velasquez, mas o projeto não saiu do papel.
A última ofensiva da indústria tauromáquica no Porto ocorreu no início da década de 90 do século XX, com a realização de uma tourada no campo do Lima 5 numa praça improvisada, e mais uma vez a afición não deixou raízes na cidade.
Um dos principais diários portuenses da época, “O Primeiro de Janeiro” escreveu no dia seguinte na manchete do jornal: “A arrogância dos organizadores da tourada que ontem se realizou no Porto esteve na origem dos distúrbios entre populares e defensores dos animais, por um lado, e os promotores da iniciativa. A PSP teve de intervir. Uma pessoa saiu ferida da refrega, que até teve a presença provocante, inoportuna e parola do cavaleiro Joaquim Bastinhas.”
Tal como referiu Alberto Pimentel em 1894 “A tauromaquia portuense deu em vasa barris”.
Autor: Sérgio Caetano
Muito interessante! Não sabia que os portuenses têm sido tão amigos dos animais. Não se pode dizer que é fruto das campanhas em defesa dos animais porque essas que eu saiba só começaram nos últimos 50 anos. Fico orgulhoso dos nortistas.
A Sociedade Protectora dos Animais do Porto data de 1878!
Sou contra os maus tratos a animais. As touradas deviam acabar em todas as regiõis
Grande Porto!!!
Acrescentaria que um pouco por todo o Norte têm desaparecido os últimos (a anacrónicos) redutos da actividade tauromática. Acredito que se deve, em larga medida, a uma evolução civilizacional. Ninguém com um mínimo de sensibilidade e compaixão pode considerar admissível a realização de um espectáculo de tortura sanguinário seja em nome de qualquer tradição, pseudo-cultura, etc.
Subscrevo tudo o que escrito antes
Por vezes as comissões de festas populares tentam organizar esses eventos mas as Camaras não têm permitido na zona do Grande Porto
O civismo de um povo, se verifica pela forma como trata os seus animais. Um grande BEM HAJA a todos os portuenses, a quem presto a minha homenagem
Fico feliz por saber que já não existem touradas no Porto há mais de 100 anos. Eu como portuense sempre fui contra. Maltratar animais não é com o povo do Porto. E não é só o touro, os cavalos às vezes são feridos de morte.
Parece haver uma incongruência entre a data da construção do Real Coliseu constante da legenda (1899) e o relato histórico. Poderia esclarecer por favor?
Excelente artigo, muito boa pesquisa! Obrigado ao autor por este bocadinho de história!
Não sabia da resistência dos portuenses a tão deprimente espectáculo. Parabéns.
Poisé…há muita coisa que não convém que se saiba…mas fico muito feliz por saber que os portuenses, como povo do NORTE, contribuiu para que se acabasse com essa barbárie…Bem Haja povo do PORTO!!!!