História dum desaguisado luso-brasileiro: quem manda no texto é o leitor?

Há uns anos, escrevi noutro poiso uma primeira versão do texto que podem encontrar aqui. Nessa primeira versão, o texto tinha o atrevido título: «O português do Brasil aleija os portugueses?» Era, como é fácil de perceber, uma diatribe contra os portugueses que acham o português do Brasil ofensivo.
O texto levou com uma tempestade de comentários. Ainda hoje por lá caem uns quantos. Houve de tudo, pessoas ofendidas, quem argumentasse isto e aqui (o que é bom), houve quem tivesse concordado, quem começasse a insultar porque não gostou do que outros disseram…
Nada de muito diferente do que acontece todos os dias em muitos blogues, quando o assunto é minimamente polémico.
O que me interessa agora chamar para aqui é um comentário dum leitor que se sentiu a pergunta do título como sendo «discriminatória». Volto a lembrar: o título era «O português do Brasil aleija os portugueses?»
Tudo começou quando caí no disparate de reagir a um comentário que me parecia preconceituoso e redutor em relação aos portugueses, denominando tal comentário de «tacanho» — e ainda expressei a minha estranheza por ver um comentário «anti-português» escrito com todos os «c» e «p» da ortografia portuguesa. Parecia uma trollada dum português a tentar fingir-se brasileiro a atacar os portugueses (sim, há malucos para tudo por essa internet fora).
Bem, disse, então, o tal leitor assim atacado:
Tacanho é o título da matéria. Discriminatório, inclusive. Provocativo, também. O português do Brasil “aleija” os portugueses? Seria qual o sentido da mutilação?
Ora, respondi-lhe que a pergunta era irónica…
Respondeu-me de novo o comentador:
Ironia com brasileiros não é difícil de encontrar na vida real em Portugal. Inclusive na acadêmica. Mas, quando o público destinatário é mais letrado, os portugueses gostam muito de falsear a discriminação com um tom dissimulado. Talvez resultado do complexo paroquial no cotidiano luso. Antigos cidadãos de primeira classe, não é fácil descer para o segundo andar da pirâmide social.
Ou seja, o leitor achava que eu estava a ser dissimuladamente irónico com os brasileiros. Nada mais longe do post original, como é fácil perceber, bastando para isso lê-lo.
Disse-lhe:
Chegou a ler o post original? Era dirigido à ultra-sensibilidade dos portugueses e é descabido achar que é um ataque aos brasileiros. Leia o post com atenção e perceberá a ironia do título. Não tente encontrar ofensas onde elas não existem.
O leitor talvez tenha ido então ler o texto e respondeu:
Finalizo: não há ofensa, de fato. Nem tampouco ironia. Deboche? Estaria eu, erroneamente, a exagerar. Deve conhecer o sentido de “reversibilidade em psicologia”. Se não. Pergunte. Ou aceite a minha sumária explicação: pôr-se no lugar do outro. Last, but not least: quem escreve e publica deve ter em conta que o destinatário é que é o juiz do texto. Conforme-se, ou escreva e guarde. Mostre aos amigos. Não se exponha à crítica.
Ou seja, se eu quero escrever para o público, tenho de comer e calar no que toca aos comentários dos leitores. E, sim, admitia agora o comentador, se calhar eu não tinha ofendido ninguém, mas ironia é que não estava lá, porque ele não tinha visto, o leitor é ele, o leitor é que manda, ponto final.
Bem, comi, mas não calei. Respondi:
Sim, o destinatário é o juiz do texto — e por vezes o juiz não percebe o que tem à frente. Os comentários também são passíveis de julgamento… Neste caso, num texto dirigido contra os portugueses que se sentem ofendidos com textos noutra variante do português, achar que há aqui sobranceria anti-brasileira é um erro de interpretação. Ao leitor não basta dizer “eu acho que é assim”. Convém ler com atenção e tentar não assumir o que no texto não está. A pergunta do título tem de ser vista no contexto do texto do post — e não é, de todo, sobranceira ou ofensiva ou o que for: é uma pergunta irónica, no sentido: “porque se chateia tanto em ler em português do Brasil? Será que aleija?” E a resposta é óbvia: claro que não aleija. Por isso, a ofensa retratada no texto não tem sentido. Achar-se ofendido com o título é cair em erro semelhante ao do episódio retratado no post…
(Depois ainda houve mais umas respostas, mas já em tom cordial.)
A questão é esta: será que, uma vez publicado um texto, temos de aceitar todas e quaisquer interpretações?
Bem, quem escreve, em geral quer ser compreendido (nem sempre, mas faz de conta), e deve ficar preocupado se os leitores interpretarem tudo ao contrário. A culpa será, provavelmente, do texto e do seu autor. Não vamos entrar na atitude de quem anda ao contrário na auto-estrada e diz: «estes gajos estão todos em contra-mão!»
Mas, por outro lado, não podemos achar que um leitor pode interpretar o que bem entender dum texto. O leitor deve tentar perceber o texto — digamos que o texto tem dois lados e há um esforço a fazer de ambos os lados. Há que ter um mínimo de boa-fé ao ler os outros.
Ora, por essa internet fora, a tendência é, muitas vezes, interpretar os textos da forma mais insultuosa possível. Se vemos um post que não reflecte a nossa exacta opinião, partimos logo para a indignação, para as respostas inflamadas, para o dedo em riste, sem fazer o mínimo esforço para compreender os argumentos do texto. Não damos uma segunda ou terceira oportunidade — para dizer a verdade, por vezes nem a primeira oportunidade é oferecida ao texto. Basta ver quem escreve, ler o título ou uma linha e meia, e tiramos logo as conclusões necessárias para ficarmos indignados.
Acho mesmo que andamos viciados em indignação — o que só pode ser negativo, porque precisamos da indignação bem forte para aquilo que, de facto, a merece.
O tal comentador, quando viu o título acima, supôs logo que seria um insulto aos brasileiros — porque acha que é isso que vai encontrar num blogue português. Interpretou o texto da pior forma possível — e quando lhe disse isso, afirmou que o leitor é soberano, e pronto.
O leitor é soberano, sim senhor, mas convém ser um soberano esclarecido e, quiçá, democrático — deve dar oportunidade à leal oposição de se exprimir.
Se não quiser chegar a um ponto de encontro entre a sua leitura e o texto real, acabará sempre por ver coisas onde elas não estão, sentir-se-á insultado quase sempre e, por fim, termina a ler num mundo bem diferente da realidade.
O que proponho é que demos oportunidade aos outros: ou seja, que partamos para a leitura de textos (na internet e não só) com menos pedras na mão e admitindo a hipótese de o autor não ter escrito o que estamos a ler para nos insultar a nós pessoalmente.
Autor: Marco Neves
Autor dos livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e A Baleia Que Engoliu Um Espanhol.
Saiba mais nesta página.
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Olha eu posso ate chegar entender o seu ponto de vista aqui exposto, mas pelo menos quando se trata de falar dos espanhóis ou do idioma espanhol, vc parece ter, ou inveja deles ou, ao menos, uma animosidade, pois sempre tenta deixar eles mal, ou fazer ver com que os portugueses são melhores,,seiba o senhor que em latinoamerica o Portugal é visto como a Bolivia de sulamerica, ou seja, um país bem mais pobre e desenvolvido do que os outros da Europa, enquanto a Espanha é vista, juntamente com a Alemanha, França e Inglaterra como os quatro principais países da Europa. De facto, se não fosse por Ronaldo ou Mourinho, ninguém saberia nada sobre Portugal. Sei la se estou errado ou não, mas é a impressão que você me passa ao ler seus artigos referidos a Espanha, ou qualquer coisa que tenha a ver com esse pais ou esse idioma. Por tanto, não deixo de empatizar um pouco tbm com o leitor a quem vc se refere aqui.
Então temos aqui um espanhol (castelhano) ou pior, um latino americano magoado com as palavras do autor referente a Espanha. HAHAHA
De Espanha nem bom vento e nem bom casamento, a história mesmo prova que não há pior vizinho que os espanhóis, tenta desprestigiar Portugal e os portugueses mas não consegue, pois o castelhano em si é horrível, uma língua feia e grosseira.
Comparar a Bolívia a Portugal é uma piada vindo de quem parece ser espanhol, não é atoa que os franceses dizem que a África começa abaixo dos Pirineus.
Pessoas baixas como você jamais apagaram o brilho da língua portuguesa, de Portugal e dos portugueses.
Aliás, o que faz lendo os artigos do autor e um blog português? Com certeza para si deve ser alguma inveja ou simplesmente sadomasoquismo.
Tua resposta me diz que tu és como a quem criticas.
Concordo em tudo. Mas gostaria de fazer uma provocação: a grande diferença entre brasileiros e portugueses não é a grafia ou algumas escolhas gramaticais, mas a forma mais direta de abordar o assunto. A forma de pensar menos detalhista dos brasileiros. Eu teria resumido tudo isso em 2 parágrafos e talvez citasse Umberto Eco, sobre a superinterpretação. Mas depois de termos eleito um verdadeiro idiota, não sei mais… talvez o “português bem explicado” dos portugueses seja, afinal, uma boa coisa.
Bom dia senhor! Só quero perguntar o seguinte: POR QUE TANTA PREOCUPAÇÃO. COM O PORTUGUES FALADO, AQUI NO BRASIL? Pra ser direta, o nosso sotaque é bem mais bonito e suave, do que o que de vocês. Então falem o português de vocês e nós brasileiros, continuaremos com o nosso sotaque. E está falado!!!
Pelo visto dona Inez fez questão de não ler o artigo e comentar qualquer devaneio que veio a cabeça
O sotaque do português do Brasil é mais bonito que o sotaque luso? Então a senhora nunca ouviu um nordestino a falar, simplesmente estridente e dolorido de escutar.
No Brasil há sotaques muito bonitos, mas também há sotaques horrorosos, tão ruins de escutar que prefere-se que falem em alemão, menos português
É interessante por demais essas considerações, falo na condição de brasileiro e a senhora, de fato, parece não ter lido o texto, fazendo exatamente o que ele está apontando no texto.
Eu gosto do português, acho uma língua complexa de se estudar, porém um idioma bonito, principalmente quando falado e escrito da forma correta, sem erros ou abreviações (como por exemplo “vc”).
Sempre gosto de ler Marco Neves. Sempre gosto de ler quem converge às minhas ideias e a quem não converge. Conhecer e entender os que pensam diferente e, principalmente as razões que os fazem pensar diferente, hoje mais do que antes, é imperial para que possamos nos reconhecer como pessoas, seres pensantes; é indispensável para que saibamos respeitar para também sermos respeitados. Num mundo como o nosso será impossível ser unânime, portanto para vivermos no limite da civilidade é preciso ter o discernimento para estarmos sempre acima de discriminações e estarmos sempre com o coração com olhos para o melhor das pessoas, para o melhor de suas intenções.
O comentador em apreço parece mesmo não ter lido o texto, pois escreve bem a levar à conclusão de ser alguém letrado o suficiente para entendê-lo.
O que irei comentar aqui não tem nada a ver com a postagem. Mas, aproveitando o assunto, gostaria de saber se conhece algum livro de português (bem completo e didático), com diversos exercícios, e de uma forma que o leitor entenda de forma resumida.
Obs: sou Brasileiro, por isso, o livro tem que ser de referência Brasileira.
Não li o artigo. No entanto custo a entender o porquê desta intriga dos portugueses. Afinal, por alguma razão sensível,.o cidadão daí foi levado a escrever sobre a questão.
Siga cada um com sua maneira de falar como melhor lhe apraz comunicar, já que para este ao seu igual será inteligível.
Será que isto é próprio deste povo? Não sei. O que posso ter certeza é que não teria como o português ser uma língua de tamanho peso no mundo como é o inglês. Não com este pensamento e sentimento. Jamais.