A empresa MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, responsável pela manutenção do Elevador da Glória, quebrou o silêncio três dias após o acidente que vitimou 16 pessoas no coração de Lisboa. Em comunicado, a empresa garante estar a colaborar com as autoridades “desde o primeiro momento”, sublinhando que a prioridade é ajudar a esclarecer rapidamente as causas da tragédia e dar “resposta às famílias das vítimas” neste momento de profunda dor, choque e consternação nacional.
Uma inspeção no próprio dia do acidente
De acordo com a MNTC, o icónico elevador foi submetido a uma inspeção técnica na manhã do próprio dia do descarrilamento. O processo, realizado entre as 09:13 e as 09:46, incluiu verificações visuais a componentes vitais do sistema, como os cabos, o carril e as cabinas.
Segundo o relatório, todos os elementos foram considerados em conformidade e em condições adequadas de funcionamento. No entanto, poucas horas depois, o cabo que ligava as cabinas viria a ceder, provocando a descida descontrolada da estrutura, um impacto devastador e perdas humanas irreparáveis.
A empresa reitera que “qualquer conclusão nesta fase seria prematura” e que o apuramento das responsabilidades só poderá ser feito após a conclusão da investigação conduzida pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), em articulação com o Ministério Público.
Cabo deveria ser substituído em menos de um ano
O documento interno de manutenção revela ainda um detalhe inquietante: faltavam 263 dias para a substituição programada do cabo que une as duas cabinas – precisamente o que se partiu no acidente.
Esse procedimento é realizado ciclicamente a cada 600 dias, como parte da manutenção preventiva. Esta informação abre espaço para a discussão sobre a necessidade de rever os prazos e metodologias de inspeção aplicados a equipamentos centenários e com elevado desgaste estrutural.
Contratação em circunstâncias excecionais
A MNTC foi contratada por ajuste direto dias antes do acidente, depois de a Carris ter aberto um concurso para três anos de manutenção que acabou por ficar deserto.
Nenhuma das propostas recebidas se enquadrava no orçamento previsto pela empresa pública, forçando a contratação de emergência. Este dado coloca em evidência a forma como o valor financeiro atribuído a contratos de manutenção pode ter impacto direto na segurança dos passageiros.
Reações de indignação e luto nacional
O acidente do Elevador da Glória gerou uma onda de indignação, dor e solidariedade em Lisboa e em todo o país. Autoridades locais e nacionais prestaram homenagem às vítimas, enquanto especialistas em transportes e segurança ferroviária defendem a necessidade de auditorias profundas a todos os elevadores históricos da capital, incluindo o da Bica e o do Lavra.
As famílias enlutadas aguardam respostas concretas, mas a população exige também que se faça justiça e que sejam reforçados os protocolos de manutenção e inspeção destes ícones históricos.
Muitos lembram que os elevadores não são apenas meios de transporte, mas símbolos vivos da identidade de Lisboa, autênticos marcos culturais que atraem milhares de turistas todos os anos.
O peso da história e a fragilidade do presente
Inaugurado em 24 de outubro de 1885, o Elevador da Glória foi projetado pelo engenheiro Raoul Mesnier du Ponsard, o mesmo responsável pelo Elevador de Santa Justa.
Há quase 140 anos que liga a Praça dos Restauradores ao Bairro Alto, transportando diariamente lisboetas e visitantes entre a Baixa e a colina de São Roque.
Apesar de várias modernizações ao longo das décadas, a sua estrutura mantém-se dependente de um sistema de tração por cabo, cuja segurança assenta no equilíbrio de massas entre as cabinas. O acidente demonstrou, de forma brutal, que basta a falha de um único componente para que toda a cadeia de redundâncias colapse.
Um futuro em debate
A tragédia reabriu o debate sobre o equilíbrio entre a preservação do património histórico e a segurança pública. Devem os elevadores históricos manter os sistemas originais, em nome da autenticidade? Ou deve prevalecer a modernização tecnológica, ainda que isso altere a experiência e descaracterize o património?
Segundo a SIC Notícias, para muitos especialistas, o acidente do Elevador da Glória pode vir a ser um ponto de viragem. Será inevitável repensar os critérios de inspeção, a periodicidade das manutenções e, sobretudo, o financiamento destinado à preservação e segurança destes equipamentos que fazem parte da alma de Lisboa.
Enquanto a investigação prossegue, Lisboa veste-se de luto, lembrando que até os ícones mais amados podem esconder fragilidades. O Elevador da Glória, outrora símbolo de orgulho, tornou-se agora um doloroso alerta sobre a urgência de proteger vidas acima de qualquer tradição.
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