Um portuense, ao ouvir um intelectual lisboeta na televisão, também consegue detectar algumas marcas regionais. Só não vai a correr queixar-se no Facebook… A pronúncia do Porto está errada?

Há uns dias, encontrei esta queixa furibunda num daqueles recantos do Facebook onde muitos se entretêm a gozar com o português dos outros (deixo a queixa tal e qual a encontrei):
CUMO??? Começo por afirmar que sou um admirador do prof. Júlio Machado Vaz, mas quando o ouvia hoje ocorreu-me está questão: Será que pessoas que estão frente a um microfone de uma rádio ou de um canal de televisão nacional, podem falar como se o estivessem a fazer à mesa de um café, maltratado a nossa língua, com expressões como CUMO (em vez de como), TIVEMOS (estivemos) e outras do género? Não me parece legítimo, com todo o respeito…

Será que é legítimo usar na televisão formas como «cumo» e, acrescento eu, «dezôito», formas essas que associamos à pronúncia do Norte?
Será isto maltratar a nossa língua?
Agora estão os meus leitores mais nortenhos a rir a bandeiras despregadas. «Era o que faltava!»
E eu também digo que sim, era só o que faltava.

Reparem: muitas pessoas do Norte, quando falam na televisão, usam uma pronúncia cuidada, com uma ou outra marca que nos permite identificar a região. Não deixam de usar a norma do português no que toca à sintaxe, ao vocabulário e até, se virmos bem, à pronúncia (a norma é um pouco mais flexível do que a pintam).

E, acima de tudo, não deixam de conseguir falar de forma clara e cativante (bendito Júlio Machado Vaz, que sabe o que realmente importa nestas coisas).
O curioso é que isto não é muito diferente do que acontece em Lisboa. Um portuense, ao ouvir um intelectual lisboeta a falar na televisão, também consegue detectar algumas marcas regionais. Só não vai a correr queixar-se no Facebook…

Por mim, não vejo qual o mal de ouvirmos diferentes pronúncias na televisão. É possível falar bem com sotaque lisboeta ou portuense, e diria mais: alentejano, algarvio, transmontano ou uma das imensas variações que há por aí.

É verdade que nós, portugueses, admitimos pouca variação na televisão (veja-se o caso das telenovelas) e convém ter isso em conta. Mas, diga-se o que se disser, a forma desvairada como algumas pessoas reagem à variação regional é bem mais prejudicial à língua e ao entendimento entre todos do que qualquer «cumo» ou «dezôito»…
Vá, amigos, deixem-se de feios preconceitos e medos absurdos.
Autor: Marco Neves
Autor dos livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e A Baleia Que Engoliu Um Espanhol.
Saiba mais nesta página.
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E os lisboetas que dizem “Menistro” em vez do Ministro? Ouçam bem e vejam como são ridículos todos aqueles que não aceitam as várias maneiras de falar do Povo Português.
Essa manifestação bacoca, mas habitual do cócó lisboeta, nem é a mais importante, grave é quando o sotaque provoca desemprego, nomeadamente nas áreas da comunicação. Perguntem aos aspirantes a apresentadores das TV’s que não sejam da capital, ou então a representar papéis relevantes nas telenovelas. O lisboeta é por natureza segregacionista.