Mafalda de Saboia, uma figura histórica pouco conhecida, mas fundamental, foi a primeira rainha de Portugal. Filha de Amadeu III, conde de Saboia, Maurienne e Piemonte, e da condessa Mafalda de Albon, nasceu numa das casas nobres mais influentes da Europa. Embora a data exata do seu nascimento seja incerta, acredita-se que tenha ocorrido entre 1126 e 1130, baseando-se em registos históricos e nos marcos da sua vida.
O casamento estratégico com D. Afonso Henriques
O casamento de Mafalda com D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, é envolto em especulação quanto às suas motivações. Celebrado provavelmente em 1146, foi mais do que uma união de duas pessoas: tratou-se de uma aliança política cuidadosamente arquitetada.
A escolha de uma noiva de um território distante, como Saboia, pode ter sido uma estratégia para fortalecer a independência política de Portugal face ao Reino de Leão e Castela, liderado por Afonso VII, primo de D. Afonso Henriques e uma constante ameaça ao recém-criado reino.
Embora alguns críticos da época tenham considerado a união um retrocesso social, por Mafalda ser filha de condes, ela era, na verdade, sobrinha do rei Luís VI de França, uma ligação que conferia prestígio e legitimidade internacional ao jovem reino português.
Uma rainha jovem num reino em formação
O contrato de casamento foi assinado quando Mafalda tinha apenas 12 anos, enquanto Afonso Henriques já tinha 30 anos. O matrimónio só se concretizou nove anos depois, em 1146, quando Mafalda tinha 21 anos e Afonso Henriques 36.
A jovem rainha encontrou um marido experiente, 18 anos mais velho, com dois filhos ilegítimos fruto de uma relação anterior com Châmoa Gomes, uma freira viúva.
Dada a sua educação pela Ordem de Cister, Mafalda era profundamente religiosa e possuía uma visão prática da vida conjugal e dos seus deveres como rainha. No século XII, os casamentos reais raramente envolviam amor, servindo antes como instrumentos de alianças políticas e militares.
O papel de Mafalda como mãe e rainha
Durante os 12 anos de casamento, Mafalda teve pelo menos sete filhos, entre os quais:
- Henrique (1147): herdeiro inicial, falecido ainda jovem;
- Urraca (1148), futura rainha consorte de Leão;
- Teresa (1151);
- Mafalda (1153);
- João (1156);
- Sancho (1157), que se tornaria o segundo rei de Portugal;
- Sancha (1157).
A morte precoce de vários dos seus filhos foi uma constante na vida de Mafalda. Apenas três dos seus descendentes atingiram a idade adulta: Sancho, Urraca e Teresa. Apesar das adversidades, Mafalda também cuidou dos filhos ilegítimos de D. Afonso Henriques, assegurando a harmonia familiar e reforçando a sua posição de rainha.
Personalidade e legado de Mafalda
Pouco se sabe sobre a personalidade de Mafalda, mas os relatos existentes sugerem uma mulher de espírito forte e profundamente religiosa. Durante um parto complicado, pediu a bênção do padre Teotónio, prior do Mosteiro de Santa Cruz, acreditando que a ajuda divina seria crucial.
Recuperada, tentou visitar o mosteiro para agradecer, mas foi impedida de entrar devido às regras do priorado, que não permitiam a presença de mulheres. Este episódio alimentou rumores sobre o seu alegado mau temperamento, possivelmente agravado por dificuldades no casamento e pelas tragédias familiares.
Contribuições para o reino
Apesar de uma vida curta, Mafalda deixou um legado significativo:
Instituições de caridade: Fundou o Mosteiro da Costa, em Guimarães, e um hospital/albergaria em Marco de Canaveses, onde desempenhou um papel pioneiro no auxílio a doentes e viajantes.
Marco de Canaveses: Uma lenda popular associa o nome da cidade à rainha. Conta-se que, ao pedir água aos pedreiros, lhe foi oferecida uma cana para beber diretamente do rio Tâmega. Encantada, terá exclamado: “Guardai-a porque a cana às vezes é boa”.
A morte precoce e a memória
Mafalda faleceu em 3 de dezembro de 1157 ou 1158, com apenas 32 ou 33 anos, pouco tempo após o nascimento da sua última filha, Sancha. Foi sepultada na igreja do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, ao lado do marido, D. Afonso Henriques, que sobreviveu à rainha por mais 27 anos.
Apenas no século XVII se repetiria uma união entre Portugal e Saboia, com o casamento de Maria Francisca Isabel e Afonso VI, encerrando um hiato de séculos entre as duas casas nobres.
Mafalda de Saboia: mais do que a primeira rainha
Segundo a VortexMag, Mafalda não foi apenas a primeira rainha de Portugal, mas também uma figura central na afirmação do jovem reino perante a Europa. A sua vida, embora marcada por tragédias pessoais, reflete a força e resiliência de uma mulher num período de desafios políticos, religiosos e familiares.
O seu papel como rainha, mãe e benfeitora continua a ser uma parte essencial da história portuguesa, um testemunho do impacto que uma mulher pode ter na construção de um reino e na definição do seu legado cultural.