Apesar de D. João V ser o poderoso monarca de Portugal e Madre Paula viver reclusa no Mosteiro de Odivelas, a sua história é uma das mais fascinantes e controversas do período barroco português. Num tempo em que os conventos deviam ser refúgios de espiritualidade e devoção, alguns tornaram-se palco de paixões proibidas e encontros clandestinos.
O contexto: o rei devasso e os conventos do século XVIII
No Portugal do século XVIII, os conventos não eram apenas locais de oração e penitência. Muitas vezes, eram escolhidos pelas famílias humildes para educar as suas filhas e oferecer-lhes uma vida mais confortável. Contudo, essas instituições atraíam também nobres, aristocratas, poetas e até membros do clero que, sob o pretexto de visitas religiosas ou culturais, buscavam outros interesses.
D. João V, apelidado de “O Magnânimo”, era conhecido tanto pela sua fé quanto pela sua luxúria. O rei, cuja riqueza provinha do ouro do Brasil, financiava obras grandiosas, como o Convento de Mafra, mas também usava a sua fortuna para manter luxuosos relacionamentos extraconjugais. Foi neste ambiente que se cruzaram os destinos do monarca e da jovem Paula Teresa da Silva e Almeida, mais tarde conhecida como Madre Paula.
Madre Paula: da humildade à sumptuosidade
Madre Paula ingressou no Mosteiro de Odivelas em 1717, aos 17 anos, proveniente de uma família humilde. Como tantas outras jovens da sua condição, viu na vida conventual uma oportunidade de estabilidade e educação. Contudo, o destino reservava-lhe algo muito diferente da reclusão e devoção.
Pouco tempo após a sua entrada no convento, Paula chamou a atenção de figuras proeminentes da sociedade. Antes mesmo de conhecer D. João V, manteve uma relação com o Conde de Vimioso. No entanto, o encontro com o rei, em 1718, marcaria o início de um romance que ficaria para a história.
O início do romance
D. João V terá conhecido Madre Paula durante uma visita ao Mosteiro de Odivelas em 1718, por ocasião da festa do Desagravo do Santíssimo Sacramento. Encantado pela beleza e graça da noviça, o rei decidiu intervir diretamente na sua vida sentimental. Conta-se que, ao saber da ligação de Paula com o Conde de Vimioso, o monarca ordenou ao nobre que escolhesse outra freira, deixando Paula livre para si.
O romance entre o rei e Madre Paula tornou-se intenso e deu frutos. Em 1720, nasceu D. José, que viria a ser Inquisidor-Mor do Reino, um dos cargos mais poderosos da época.
O luxo ao serviço do amor
A paixão de D. João V por Madre Paula não conhecia limites. O monarca mandou construir uma residência exclusiva para ela, conhecida como Torre de Madre Paula, junto ao Mosteiro de Odivelas. Esta casa foi equipada com um luxo impressionante: uma banheira de prata maciça, cortinas bordadas a ouro e janelas com vidros importados da Boémia eram apenas alguns dos itens extravagantes que decoravam o espaço.
Madre Paula, por sua vez, retribuía a dedicação do rei com gestos de carinho. Uma das suas criações culinárias, o doce de marmelada, tornou-se uma iguaria típica de Odivelas, associada à sua memória.
A longevidade da paixão
A relação entre D. João V e Madre Paula perdurou por décadas, resistindo ao passar do tempo e aos escândalos que envolviam a corte. Mesmo após a morte do rei, em 1750, Madre Paula continuou a usufruir de uma vida confortável e cheia de privilégios, algo raro numa época em que as mulheres, especialmente as religiosas, estavam sujeitas a severas restrições.
Os conventos e os “delitos amorosos”
O caso de Madre Paula não foi único, mas é talvez o mais emblemático. Muitos outros conventos no Portugal de D. João V foram palco de relações proibidas, algumas delas punidas pela Inquisição. Segundo registos da Biblioteca Nacional, só em Lisboa, durante a primeira metade do século XVIII, 20 freiras foram condenadas por envolvimentos amorosos.
O legado do romance
A história de D. João V e Madre Paula é um testemunho das complexidades humanas, mesmo dentro das instituições religiosas. Num tempo marcado por excessos, luxúria e devoção, o seu romance ilustra como as normas sociais podem ser quebradas pelos impulsos do coração.
Se visitar Odivelas, imagine o cenário em que esta paixão proibida floresceu. Os muros do Mosteiro de São Dinis são testemunhos silenciosos de um capítulo único da história portuguesa, onde o poder e o amor se encontraram nos caminhos do destino.