Língua Portuguesa: Descriminar ou Discriminar?
Existem momentos em que nos deparamos com dúvidas sobre algumas palavras que, sendo parecidas, possuem sentidos distintos: Descriminar ou Discriminar?
A língua portuguesa constitui um património vasto e rico, que possui algumas particularidades sobre as quais convém ter conhecimento para não cometer erros que, não sendo grosseiros, não deixam de ser gaffes que podem contribuir para vivermos um momento extremamente embaraçoso.
Não devemos, por exemplo, trocar palavras como descriminar e discriminar. Este é um erro comum pois, como são duas palavras que existem na nossa língua, é menos fácil detetar o lapso. Mas nós vamos ajudá-lo a fazê-lo.
Descriminar ou discriminar?
Então, qual das seguintes frases está correta?
- O futebol português unificou-se numa campanha contra a descriminação racial.
- O futebol português unificou-se numa campanha contra a discriminação racial.
A resposta correta é a número 2.
Mas antes de avançarmos para o cabal esclarecimento desta dúvida, convém ter bem presente o significado de cada uma destas palavras.
Definição: Estamos a descriminar quando inocentamos alguém ou alguma coisa, retirando a sua culpa ou desculpabilizando um determinado crime. Estamos, assim, perante uma ação de desculpabilização, descriminalização, absolvição. Quando alguém fica isento de culpabilidade ou é inocentado do seu ato foi descriminado.
O termo descriminar é uma palavra formada com o prefixo “des-”, o qual é acrescentado ao verbo “criminar”, concedendo-lhe um sentido oposto. Assim, o seu sentido (descriminar, ou seja, des+criminar) é o oposto de criminar.
Se criminar é imputar o crime a alguém ou responsabilizar alguém pelo crime, então descriminar é absolver, ilibar do crime.
Exemplos de um uso correto da palavra “descriminar”:
- Será Portugal o próximo país a descriminar o uso de drogas leves?
- O juíz vai descriminar o adulto que cometeu o furto, por este sofrer de cleptomania.
- É justo descriminar alguém por sofrer de demência?
- O álcool não descrimina, mas pode contribuir para atenuar a gravidade do crime e tornar a pena menos severa.
Conjugação do verbo descriminar, no Presente do Indicativo
Eu descrimino
Tu descriminas
Ele descrimina
Nós descriminamos
Vós descriminais
Eles descriminam
Depois de termos ficado a conhecer na íntegra a definição da palavra descriminar, passemos então para uma clara definição da palavra discriminar. Só assim poderemos futuramente distinguir verdadeiramente estas palavras e saber qual usar em cada contexto.
Definição: Sempre que é realizado um ato de discriminar é realizada uma separação, uma divisão, uma diferenciação, uma segregação, uma destrinça. Assim, são estabelecidas diferenças claras que permitem distinguir uma coisa de outra. Recorrentemente, são cometidas injustiças, quando se distinguem pessoas tendo por base, meramente, o género, a etnia, a religião. Isso é uma discriminação pela negativa.
Mas pode, também, ocorrer uma discriminação positiva, quando são tomadas medidas excecionais que visam compensar determinados grupos (já penalizados por um contexto menos favorável). A introdução de um o sistema de cotas que permita que determinada escola de futebol tenha, obrigatoriamente, pelo menos 10% de meninas em todos os seus escalões, pode ser considerado um ato de discriminação positiva.
Usamos frequentemente esta palavra quando falamos, por exemplo, de discriminação racial / social / religiosa / de género, entre outras situações.
Exemplos do uso correto da palavra “discriminar”:
- A religião continua a discriminar a homossexualidade?
- Por que razão continuam as empresas a discriminar as mulheres nos seus salários?
- É uma injustiça, mas aquele colégio continua a discriminar os alunos em função do seu poder económico.
- Só depois de se discriminar o que é provável do que é certo é que poderás tomar a melhor opção para o teu futuro.
Conjugação do verbo discriminar, no Presente do Indicativo
Eu discrimino
Tu discriminas
Ele discrimina
Nós discriminamos
Vós discriminais
Eles discriminam
Sempre que usamos a palavra “discriminar” queremos dizer o mesmo que separar, distinguir, diferenciar. Já a palavra “descriminar” deve ser entendida como sinónimo de absolver, inocentar.
As palavras descriminar e discriminar são parónimas, ou seja, são palavras com grafias próximas, como acontece também com as palavras: cumprimento/comprimento; despensa/dispensa; emigração/imigração; previdência/providência; perfeito/prefeito.
Quanto mais conhecimento tivermos da nossa língua, mais imunes nos tornamos e mais capacitados estamos para evitar gralhas que tingem o nosso discurso. Por isso, convém estarmos atentos a algumas particularidades do nosso idioma.
A língua portuguesa é um tesouro de valor inestimável que convém preservar de forma a sabermos usar da melhor forma a sua vasta riqueza. Nas palavras de Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa, a língua portuguesa era, mesmo, a sua Pátria.
“Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. A minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro direto que me enoja independentemente de quem o cuspisse.”
Bernardo Soares (heterónimo de Fernando Pessoa)
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