No coração do Alentejo profundo, onde o silêncio impera e o horizonte se estende até onde a vista alcança, ergue-se um lugar sagrado pela memória e pelo tempo: Juromenha, a imponente “Sentinela do Guadiana”. Aqui, entre pedras gastas pelo sol e pelo vento, ecoam os sons de batalhas antigas, gritos de liberdade e o pulsar de um povo que sempre lutou pela sua terra. Este é um dos mais pungentes símbolos da resistência e da identidade portuguesa — e, paradoxalmente, um dos mais esquecidos.
Memória em ruínas
As ruínas de Juromenha pertencem ao concelho do Alandroal e repousam à beira do grande rio Guadiana, que separa Portugal da vizinha Espanha. No lado oposto, quase como uma sombra de um passado que se recusa a desaparecer, ergue-se Olivença — território em tempos português, hoje envolto numa polémica surda, mas ainda viva na alma de muitos.
A dor de Juromenha é também a dor de uma perda territorial, de um esquecimento imposto. O passado glorioso desta aldeia contrasta com o abandono que hoje a cobre. Mas não nos enganemos: debaixo das pedras tombadas ainda pulsa o coração de uma nação.

Séculos de história, uma fortaleza de identidade
A origem de Juromenha remonta ao tempo dos romanos, que terão sido os primeiros a erguer muralhas neste promontório estratégico. Mais tarde, os muçulmanos reforçaram-na, tornando-a um bastião vital na defesa de Badajoz. Foi apenas em 1167 que a vila se tornou portuguesa, pelas mãos destemidas de Geraldo Sem Pavor.
Caiu novamente em mãos muçulmanas em 1191, mas voltou a ser nossa em 1242, pela liderança de D. Paio Peres Correia. A partir desse momento, Juromenha nunca mais deixou de ser uma peça central na defesa do reino. Recebeu foral de D. Dinis em 1312, o que atesta a sua importância estratégica e administrativa.
Durante a Guerra da Restauração, foi novamente palco de luta. Curiosamente, o engenheiro francês Nicolau de Langres, que reconstruíra a fortaleza, acabaria por entregá-la aos espanhóis, revelando os jogos de poder e traição que sempre acompanharam os destinos da nossa pátria. A fortaleza regressou a mãos portuguesas, mas em 1801, no contexto da Guerra das Laranjas, perdeu-se definitivamente a margem oposta — uma ferida que o tempo ainda não sarou.

O declínio após a perda
Essa perda revelou-se catastrófica para o povo de Juromenha. As melhores terras agrícolas estavam do outro lado do rio, e com elas se foi o sustento. A população, forçada a escolher entre a sobrevivência e o abandono, foi-se dispersando. O que antes era um reduto de força e presença, tornou-se ruína.
Sem acesso a oportunidades e ignorada pelo poder central, Juromenha viu-se deixada para trás — tal como tantas outras povoações raianas. E assim, pedra sobre pedra, a aldeia mergulhou no esquecimento.

A última testemunha
Hoje, Juromenha é mais do que ruínas: é um monumento vivo à persistência da memória. Do alto das muralhas desfeitas, avista-se o Guadiana serpenteante e uma paisagem de cortar a respiração. É um local de contemplação, mas também de indignação — pelo que se perdeu, pelo que se negligenciou. É urgente visitar Juromenha antes que o tempo a engula por completo ou que a modernidade lhe retire a alma. Há planos para transformar este lugar num complexo turístico — algo que poderá resgatar o local ou, talvez, afogá-lo em artificialidade.
Mas o que está em causa é mais do que património: é uma identidade. Visitar Juromenha é participar num ato de resistência contra o esquecimento, é reencontrar um elo perdido entre o passado e o presente. É olhar para o abandono e ver ali, teimosamente, a dignidade de um povo inteiro.
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Roteiro pela região
Para quem visita Juromenha, o Alentejo oferece uma panóplia de encantos, explica a VortexMag. Nos arredores, deslumbre-se com o Alandroal, a nobreza de Vila Viçosa, os vinhos de Borba, o artesanato de Redondo ou as muralhas imponentes de Elvas. Mais a sul, Monsaraz, Moura e Mourão prometem igualmente experiências autênticas e inesquecíveis.
E, como não podia deixar de ser, deixe-se conquistar pela gastronomia alentejana — uma cozinha de alma, feita de migas, ensopados e pão. Acompanhe com os vinhos generosos da região, que carregam no paladar o mesmo calor que sente ao caminhar pelas terras de Juromenha.
Juromenha não é apenas uma aldeia esquecida. É um grito silencioso da nossa história. Uma sentinela que resiste, orgulhosa, diante do tempo e do esquecimento. Visite-a. Sinta-a. Porque há lugares que nos contam mais sobre quem somos do que mil livros de História.
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