Existem diversos recursos de estilo. Sabe distinguir cada um deles? Esclareça todas as suas dúvidas e fique a saber o que é uma sinédoque.
A comunicação também pode ser mais artística, mais livre. Não tem de ser sempre uma comunicação objetiva, fria e literal. Essa é uma das riquezas da língua portuguesa, pois está repleta de recursos de estilo, que fornecem uma abordagem mais atrativa a quem fala ou escreve, a quem comunica.
Há, assim, a possibilidade de desenvolver um discurso mais florido, pois algumas figuras de estilo tornam a comunicação mais atrativa. A expressão pessoal adquire outros valores, novas dimensões, quando se recorre a um recurso estilístico, a figuras de estilo.
A língua portuguesa coloca, então, à nossa disposição ferramentas que permitem promover outras variáveis à comunicação, concedendo mais beleza, mais emoção, mais expressividade.
Dúvidas de português: sinédoque, sabe o que é?
Figuras de estilo
Existem várias figuras de estilo. Parte delas são centradas num nível fónico (mais especificamente: aliteração, assonância, onomatopeia, paronomásia, rima, ritmo); há ainda figuras de estilo cujo foco é no nível morfossintático (por exemplo: anacoluto, anadiplose, anáfora, anástrofe, assíndeto, diácope, disjunção, elipse, enumeração, epanadiplose, epanalepse, epífora, gradação, hendíadis, hipérbato, metalepse, paralelismo, pleonasmo; polissíndeto, quiasmo, reduplicação, silepse, sínquise, zeugma).
Leia também: Dúvidas de Português: o que é um palíndromo?
Há também figuras de estilo cuja atenção está mais centrada no nível semântico (nomeadamente: alegoria, alusão, animismo, antanáclase, antífrase, antítese, antonomásia, apóstrofe, comparação, disfemismo, epifonema, eufemismo, exclamação, hipálage, hipérbole, imagem, interrogação retórica, ironia, litote, metáfora, metonímia, oximoro, paradoxo, perífrase, personificação, sinédoque, sinestesia).
Exercício
Temos um bom desafio para si!… Está preparado(a) para enfrentar o nosso desafio e testar os seus conhecimentos sobre recursos estilísticos?
Experimente, então, este desafio e responda à questão: Qual (ou quais) das seguintes frases é/são exemplo de uma sinédoque?
– “A mochila a pesar toneladas de tanto livro e tanto dossier.” (Alice Vieira, Trisavó de Pistola à Cinta, Caminho, 2001)
– Aquela árvore tinha toda a felicidade dos homens.
– “A grita se alevanta ao Céu, da gente.” (Luís de Camões)
– Fomos ver o filme Doidos à Solta. Foi de morrer a rir!…
– “E apenas conseguimos ouvir o barulho da tampa a abrir e a fechar a caixa que estava num canto da sala, e que tinha dentro a roupa.” (António Mota, Pardinhas, Ed. Gailivro, 2005).
– A verdade é que tinha as mãos pesadas como penedos.
– “Lá ao fundo o bolo abominável sorria, a limpar o creme que lhe escorria ao de leve entre o açúcar.” (Mário-Henrique Leiria, Contos do Gin-Tonic, Ed. Estampa, 2007).
– A tarde estava calma, triste e sozinha.
– “Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar. Aqui o homem é acima de tudo pescador.” (Raul Brandão, Os Pescadores).
– “O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia”.
Agradecemos desde já que tenha aceitado este nosso desafio. É possível que se sinta confiante, mas se não está absolutamente certo de que tenha respondido corretamente, convém analisar melhor o conceito, pois é muito diferente ter uma sensação de certeza ou ter efetivamente conhecimento.
Por vezes, somos enganados pelas nossas sensações e, se não nos dermos ao trabalho de confirmar, quando percebemos o erro, pode ser tarde demais para corrigi-lo. Assim, se nos dermos ao trabalho de confirmar e virmos que estamos certos, melhor. Investimos tempo, mas foi para obter conhecimento. Mas, se estivermos errados, também não há problema, pois detetar um erro e corrigir é progredir. Tínhamos uma sensação (errada) de certeza e conseguimos transformá-a em conhecimento!
Significados
O termo sinédoque vem do grego synekdokhé, significando “compreensão de várias coisas ao mesmo tempo” pelo latim synecdŏche, com o mesmo significado. Sinédoque é um nome feminino que identifica o recurso expressivo que se baseia numa relação de compreensão em que se designa o todo pela parte ou a parte pelo todo; o plural pelo singular ou o singular pelo plural, etc. Por exemplo: O homem por a espécie humana.
Esta é a figura que é um caso particular da metonímia, fundada na relação da compreensão, parte/todo, singular/ plural e de inclusão semântica (hiperónimo /hipónimo). A frase de Luís de Camões “Depois, na costa da Índia, andando cheia / De lenhos (para designar os navios) inimigos e artefícios” é um exemplo de uma sinédoque (Camões, Os Lusíadas, III, 42).
Leia também: Dúvidas de Português: o que é um oxímoro?
Análise
Vejamos os seguintes exemplos:
Exemplo 1: “Depois, na costa da Índia, andando cheia / De lenhos inimigos e artifícios.“
Explicação 1: Como referimos anteriormente, sinédoque consiste em tomar o todo pela parte (ou vice-versa) e o plural pelo singular (ou vice-versa). Neste excerto (Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto III), vemos a palavra “lenho” (madeira) usada para referir os navios, recorrendo a um dos materiais mais importantes na construção do navio para designar o todo.
Exemplo 2: “Tomar ao Mouro forte e guarnecido Toda a terra que rega o Tejo ameno; Pois contra o Castelhano tão temido Sempre alcançou favor do Céu sereno.”
Explicação 2: Neste excerto (Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto I), é feito um uso do singular “mouro” para designar todos os mouros e todos os castelhanos.
Respostas
Agora que o significado deste recurso estilístico é conhecido e foi devidamente analisado, estamos aptos a regressar ao desafio com outro conhecimento. Analisemos novamente as frases do exercício, identificando com total conhecimento qual a que está certa (ou quais as que estão certas) e quais as que estão erradas.
É ou não é uma sinédoque?
– “A mochila a pesar toneladas de tanto livro e tanto dossier.” (Alice Vieira, Trisavó de Pistola à Cinta, Caminho, 2001) X
– Aquela árvore tinha toda a felicidade dos homens. X
– “A grita se alevanta ao Céu, da gente” (Luís de Camões). X
– Fomos ver o filmes Doidos à Solta, foi de morrer a rir!… X
– “E apenas conseguimos ouvir o barulho da tampa a abrir e a fechar a caixa que estava num canto da sala, e que tinha dentro a roupa.” (António Mota, Pardinhas, Ed. Gailivro, 2005). X
– A verdade é que tinha as mãos pesadas como penedos. X
– “Lá ao fundo o bolo abominável sorria, a limpar o creme que lhe escorria ao de leve entre o açúcar.” (Mário-Henrique Leiria, Contos do Gin-Tonic, Ed. Estampa, 2007). X
– A tarde estava calma, triste e sozinha. X
– “Mas já o Príncipe Afonso aparelhava / O Lusitano exército ditoso / Contra o Mouro que as terras habitava” (Camões, Os Lusíadas, III) ✓
– “O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia”. X
Fique a conhecer mais exemplos de sinédoque:
“Vós, ó novo temor da Maura lança” (Camões, Os Lusíadas, I)
Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar. Aqui o homem é acima de tudo pescador.” (Raul Brandão, Os Pescadores).
“Que da Ocidental praia Lusitana” (Camões, Os Lusíadas).
Ao cair da tarde, o bronze soa triste.
“Manda esquipar batéis, que ir ver queria / Os lenhos em que o Gama navegava.” (Camões, Os Lusíadas, VII, 73).
Onde se lê “Agradecemos desde já que tenha aceite este nosso desafio.” devia ler-se:
“Agradecemos desde já que tenha aceitado este nosso desafio.”