Sabe distinguir cada um dos recursos de estilo que existem? O que é um animismo?
Os recursos de estilo são tantos, tão variados, tão distintos, tão ricos, tão profundos que merecem ser analisados de forma mais aprofundada, dando o devido destaque a cada um
deles. Os recursos estilísticos permitem que o ato de comunicar seja mais livre, mais criativo, mais apaixonante, mais genuíno.
Entre eles, estão as figuras de estilo. O que seria da comunicação sem ambos? Certamente algo bem menos atrativo, mais simples, mais básico, menos humano. Com os recursos estilísticos ou as figuras de estilo, a expressão pessoal adquire novos valores, novas dimensões. Entre eles, está o animismo.
Dúvidas de português: animismo, sabe o que é?
Exercício
Se gosta de desafios, temos um reservado para si que vai adorar! Responda à questão: Qual (ou quais) das seguintes frases é/são é exemplo de um animismo?
1 – “Vós, ó novo temor da Maura lança” (Camões, Os Lusíadas, I)
2 – Ela gosta de galerias e arte; eu, de estádios e futebol.
3 – “A mochila a pesar toneladas de tanto livro e tanto dossier.” (Alice Vieira, Trisavó de Pistola à Cinta, Caminho, 2001)
4 – Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar. Aqui o homem é acima de tudo pescador.” (Raul Brandão, Os Pescadores)
5 – “Que da Ocidental praia Lusitana” (Camões, Os Lusíadas)
6 – Fomos ver o filme Doidos à Solta, foi de morrer a rir!…
7 – “O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia.”
8 – Ele dançava triste ao som do uivo do vento.
9 – Na casa dela, só havia quadros antigos; na minha, só quadros modernos.
10 – Escrevia, lia, dormia, acordava, levantava-me, tornava a deitar-me. (Graciliano Ramos, Angústia)
Se gostou do desafio e pretende aprofundar o seu conhecimento sobre este conceito, então prossiga a leitura deste artigo. Passemos ao significado do termo em análise.
Leia também
- Língua Portuguesa: 10 palavras portuguesas usadas em todo o mundo
- Língua Portuguesa: as 20 palavras mais estranhas
- 8 palavras estranhas e incomuns da língua portuguesa
Significado
Animismo
Termo que vem do latim anĭma-, “alma” + ismo, ou do francês animisme, com o mesmo significado. O animismo é um vocábulo ligado a diferentes áreas, nomeadamente à psicologia, à religião, à filosofia, à antropologia e à pedagogia.
É a atitude que consiste em atribuir às coisas uma alma análoga à alma humana. O animismo leva em linha de conta a força espiritual ou, como está sugerido no próprio termo, a anima, isto é, a “alma” que todo o ser pode possuir (ou possui numa visão animista), seja ele humano, animal ou, até mesmo, um objeto que a visão racionalista considera inanimado.
É a atribuição de características ou comportamentos de seres vivos (não apenas humanos), a entidades inanimadas (cf. personificação). É uma figura de estilo que consiste em atribuir a seres ou realidades inanimadas propriedades animadas (mas não especificamente humanas), como no caso da personificação.
A ter em conta:
Já o conceito personificação possui significados distintos: é a atribuição de características humanas a outros seres animados ou inanimados.
A prosopopeia, que integra o domínio das figuras de pensamento, é a figura pela qual se introduzem, no discurso, pessoas, divindades, animais ou seres inanimados, tomando diferentes nomes:
i) dialogismo, se as pessoas falam consigo ou umas com as outras;
ii) idolopeia, figura pela qual se introduzem no discurso seres sobrenaturais ou espíritos a falar;
iii) prosopopeia propriamente dita é quando animais ou seres inanimados se põem a falar; quando se atribui qualquer manifestação da vida humana a animais ou seres inanimados.
Ernst Stahl (1660-1734) foi o autor da doutrina do animismo. Ele considerava a alma como o princípio determinante do funcionamento do organismo, tanto nos estados normais, como nos patológicos.
Na filosofia, animismo é a tendência para se considerar todas as coisas dotadas de vida e de intencionalidade, a partir da convicção da existência de uma só alma, que é princípio do pensamento e da vida orgânica.
Na religião, animismo é a crença que atribui uma alma a cada elemento da natureza.
Na pedagogia, há o conceito de animismo infantil, que é referente à crença das crianças de que todo o objeto que se move ou age é dotado de vida.
NOTA: O termo animismo, entendido como «ideia que consiste em dar alma a coisas inanimadas» (como sinónimo de personificação e prosopopeia), foi usado no contexto escolar durante algum tempo, mas atualmente tende-se a evitá-lo, pelo menos em Portugal. O uso de animismo parece hoje ultrapassado ou esquecido.
Análise
Vejamos o seguinte exemplo:
Exemplo: “O uivo do vento abafava as ordens”.
Explicação: Na frase, há atribuição de características próprias de animais (neste caso, o uivo do lobo) a seres inanimados, a coisas ou a entes abstratos (o vento).
Neste exemplo em concreto, o uivo é atribuído ao vento, concedendo-lhe um traço caracterizador dos lobos, com o objetivo do leitor perceber a real intensidade do som provocado pelo vento.
Respostas
Neste momento em que conseguimos analisar o conceito de forma pormenorizada e aprofundada, temos toda a informação de que necessitamos para voltar a encarar o desafio e resolvê-lo com facilidade.
É ou não é animismo?
1 – “Vós, ó novo temor da Maura lança” (Camões, Os Lusíadas, I) X
2 – Ela gosta de galerias e arte; eu, de estádios e futebol. X
3 – “A mochila a pesar toneladas de tanto livro e tanto dossier.” (Alice Vieira, Trisavó de Pistola à Cinta, Caminho, 2001) X
4 – Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar. Aqui o homem é acima de tudo pescador.” (Raul Brandão, Os Pescadores) X
5 – “Que da Ocidental praia Lusitana” (Camões, Os Lusíadas) X
6 – Fomos ver o filme Doidos à Solta, foi de morrer a rir!… X
7 – “O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia.” X
8 – Ele dançava triste ao som do uivo do vento. ✓
9 – Na casa dela, só havia quadros antigos; na minha, só quadros modernos. X
10 – “Por vezes tudo se ilumina. Por vezes sangra e canta.” (HERBERTO HELDER, «Súmula») X
Fique a conhecer mais exemplos de animismo:
“E assim nas calhas de roda, / Gira, a entreter a razão, / Esse comboio de corda / Que se chama coração.” (Fernando Pessoa)
“Por quem sempre o Tejo chora.” (Os Lusíadas, I, 14)
“A luz do farol ia mordendo os troncos, […].” (Ferreira de Castro, A Selva)