Descubra porque Damião de Góis, um dos humanistas mais importantes do renascimento europeu, foi condenado a prisão perpétua.
Foi a 16 de outubro de 1572 que Damião de Góis, conhecido como humanista, historiador e diplomata, foi condenado a “cárcere perpétuo”, ou seja, prisão perpétua. Neste caso, por crimes de heresia e apostasia pelo Tribunal do Santo Ofício.
Nessa altura, Damião de Góis tinha 70 anos e há 18 meses que se encontrava nas masmorras da Inquisição, em Lisboa. Posteriormente, foi transferido para o Mosteiro da Batalha, embora depois tenha podido cumprir prisão domiciliária em Alenquer. Foi encontrado morto, provavelmente assassinado, a 30 de janeiro de 1574. Conheça mais sobre a história deste homem que foi sentenciado por ser fiel à verdade dos factos e aos seus princípios e ideologias.
Damião de Góis foi condenado a prisão perpétua. Descubra porquê.
No século XVI não era fácil ter opiniões próprias, sobretudo se essas opiniões não seguissem a corrente da maioria.
Damião de Góis (1502-1574) foi um dos humanistas mais importantes do renascimento europeu. Era próximo de Erasmo de Roterdão e amigo dos cardeais Bembo e Sadoleto. Além disso, contactou com as principais personalidades ligadas à reforma protestante, caso de Lutero e de Melanchton.
Damião de Góis era filho do almoxarife Rui Dias de Góis e de Isabel de Limi, descendente de Nicolau de Limi, fidalgo flamengo. Com apenas 9 anos de idade, Damião é integrado na corte, assumindo as funções de pajem do rei D. Manuel I, o Venturoso.
Mais tarde, já com 21 anos de idade, foi enviado para Antuérpia (Bélgica), com as funções de secretário da feitoria portuguesa, naquele que era, à época, o melhor entreposto do comercio dos produtos do Oriente na Europa.
Paralelamente assumiu diversas funções diplomáticas, sobretudo no Norte do Continente. Por essa ocasião, esteve na Polónia, Lituânia, Dinamarca, Inglaterra, França e Alemanha, onde conheceu Erasmo, Lutero e Melanchton.
O regresso a Portugal
Foi em 1533 que Damião de Góis retornou a Lisboa, por ordem de D. João III que o fez tesoureiro da Casa da Índia, uma função de grande relevância a nível nacional. Porém, tal não se veio a concretizar e, como tal, Damião de Góis acabou por regressar ao estrangeiro, sem ter, no entanto, a autorização do rei para tal.
O regresso ao estrangeiro
Assim, depois de ter vivido uns tempos em Basileia, foi para Friburgo, onde esteve por 5 meses em casa do seu amigo Erasmo, com quem tinha várias afinidades ideológicas.
Já em 1534 seguiu para Itália, onde estudou na Universidade de Pádua. Foi aí que contactou com o jesuíta Simão Rodrigues de Azevedo o qual, mais de uma década depois, o denunciaria à Inquisição.
Nos anos que se seguiram, Damião de Góis passou pelos principais centros do humanismo italiano. Foi amigo de irenistas influentes e de membros da ala progressista da Igreja Católica. Damião até transportou as cartas do cardeal Sadoleto para o protestante Melanchton.
Após ter concluído os seus estudos na Universidade de Pádua, seguiu para Lovaina, na Flandres, onde em 1539 casou e escreveu várias obras. Aqui, distinguiu-se pela defesa que fez da cidade, que foi invadida pelos franceses. Acabou, no entanto, por ser preso, sendo depois D. João III libertá-lo.
O regresso a Portugal, novamente
Em 1545, Damião de Góis retorna a Portugal rico, devido aos negócios que tinha na Europa, e com reconhecimento intelectual a nível internacional.
Contudo, ele não deixou de ser alvo de acusações. Simão Rodrigues, por exemplo, denunciou-o como herege por comer carne em dias proibidos pela Igreja. Porém, tal acusação não surtiu quaisquer efeitos.
Indiferente às polémicas, em 1548, o rei nomeou Damião de Góis guardamor da Torre do Tombo. Mais tarde, já depois da morte de D. João III, o cardeal D. Henrique ordena que Damião de Góis escreva a história do reinado de D. Manuel I.
A Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel
Este foi o título da obra redigida por Damião de Góis, em 1566, a pedido do Cardeal D. Henrique. Foi o livro mais importante escrito por Damião de Góis, mas também aquele que o levaria à desgraça.
Isto, porque Damião de Góis teve como princípio base do livro, relatar os factos e interpretá-los, sem nunca fugir à verdade dos acontecimentos.
Contudo, a sociedade da época estava mais habituada a narrativas laudatórias que serviam, essencialmente, para elogiar os antepassados e os seus grandes reinos. Neste caso em concreto, era ainda suposto que o texto exaltasse outras figuras, como o cardeal D. Henrique, à cabeça. No entanto, os duques de Bragança também não ficaram muito satisfeitos com a falta de protagonismo na história.
A somar a tudo isto, Damião de Góis também não poupou nas críticas ao massacre perpetrado aos judeus, em Lisboa, em 1506. Outro ponto a desfavor, que gerou um grande mal-estar em torno da figura de Damião de Góis.
Outros trabalhos de Damião de Góis
Além da “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel”, Damião de Góis foi responsável por outros trabalhos, como obras em latim (Opuscula), impressos em Lovaina e reimpressos em Coimbra, em 1791.
Os seus trabalhos fazem parte da Coleção das obras de autores clássicos portugueses que escreveram em latim acerca de temas históricos e geográficos, nomeadamente descrições da vida dos povos da Lapónia ou da Abissínia. Além de autor, Damião de Góis foi também músico e tradutor.
Mas as acusações não pararam…
Além do desconforto criado por algumas passagens da “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel”, Damião de Góis foi alvo de outras acusações.
Além da denúncia de Simão Rodrigues, descrita atrás, ter sido recuperada, surgiu agora um testemunho de João Carvalho, que dizia que Damião de Góis tinha deixado escorrer umas salmouras das frinchas do soalho para assim atingir o crucifixo presente no andar de baixo
A somar a estas polémicas, houve ainda espaço para uma denúncia do genro de Damião de Góis, com quem andava desentendido por uma questão de partilhas.
Prisão
Perante todas estas denúncias, acaba preso pela Inquisição em 1571. Já na casa dos 70 anos, Damião de Góis passou 18 meses isolado. Para tentar evitar a morte por fogueira, retratou e admitiu os erros cometidos 35 anos antes.
Porém, não conseguiu recuperar da humilhação sofrida, ficando assim a aguardar a chegada da morte… ou será que não?
Em 1941, os seus restos mortais foram trasladados para a Igreja de São Pedro, em Alenquer. Nessa altura, Mário de Sampaio Ribeiro, estudioso musical, observou o crânio de Damião de Góis, o qual evidenciava uma pancada arredondada… Acidente ou homicídio? Esta é a dúvida que fica para a história.
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Entretanto, em Alenquer existe o Museu de Damião de Góis e das Vítimas da Inquisição, na Igreja da Várzea, recuperada para o efeito.