Durante anos, os condutores europeus viveram com uma data gravada na memória: 2035, o ano em que os motores de combustão interna deixariam de ser uma opção legal para os novos automóveis vendidos na União Europeia. O anúncio foi recebido como uma sentença definitiva para uma tecnologia que acompanhou gerações, construiu economias inteiras e moldou o próprio conceito de mobilidade.
Mas o que parecia irreversível acaba de mudar.
A Comissão Europeia confirmou um recuo estratégico que está a abalar o setor automóvel. Após uma pressão intensa por parte de gigantes da indústria e, sobretudo, da Alemanha, Bruxelas abriu a porta à continuação dos motores de combustão, mesmo depois de 2035 — ainda que sob regras mais exigentes.
Esta decisão não é apenas técnica. É política, económica e social. E vai impactar diretamente o bolso, as escolhas e o futuro de milhões de europeus.
A pressão que mudou tudo
A viragem começou nos bastidores. Fabricantes alertaram que a infraestrutura de carregamento elétrico continua insuficiente em grande parte da Europa. Governos denunciaram o risco de perda de milhões de empregos. Consumidores mostraram falta de confiança nos preços e autonomia dos elétricos.
A Alemanha foi o país que mais alto falou.
Numa carta enviada pelo chanceler Friedrich Merz à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Berlim exigiu uma revisão profunda das metas. Essa mensagem foi considerada “muito bem recebida” em Bruxelas, segundo o comissário europeu Apostolos Tzitzikostas.
O resultado é um acordo histórico: não haverá proibição total dos motores de combustão em 2035.
O novo clima automóvel: combustão sim, mas com combustíveis do futuro
A permanência dos motores não será livre. Para sobreviverem após 2035, terão de ser alimentados por combustíveis renováveis e de baixas emissões.
Entre os combustíveis que ganham protagonismo estão:
- Combustíveis sintéticos (e-fuels)
- Biocombustíveis avançados
- Gasóleo renovável de origem vegetal
O caso mais emblemático é o HVO100, um combustível produzido a partir de resíduos vegetais e gorduras animais. Estudos do setor apontam para uma redução de até 90% das emissões quando comparado com o gasóleo tradicional.
A BMW já abastece viaturas novas na Alemanha com este combustível, num claro sinal de que a indústria não quis esperar pela burocracia europeia.
Porsche, Chile e o combustível quase neutro em carbono
Outro capítulo decisivo desta revolução está a ser escrito pela Porsche.
A marca alemã investiu numa fábrica no Chile onde produz gasolina sintética a partir de:
- Água
- Dióxido de carbono capturado
- Energia eólica
Este combustível é classificado como praticamente neutro em carbono, e poderá permitir que carros com motor térmico continuem a circular sem o estigma ambiental que hoje os acompanha.
Não se trata apenas de salvar uma tecnologia. Trata-se de reinventá-la.
O que ainda está em aberto?
Apesar do anúncio, há questões que continuam sem resposta clara:
- O futuro dos híbridos plug-in
- O papel dos veículos com extensor de autonomia
- As regras para homologação dos novos combustíveis
O chamado “pacote automóvel” europeu foi adiado, mas será apresentado em breve.
Segundo a Comissão, o objetivo é claro: uma transição “economicamente viável e socialmente justa”, sem destruir economias, fábricas e empregos.
Mais do que carros: está em jogo o futuro da mobilidade europeia
Esta decisão representa mais do que uma mudança legislativa. Representa o reconhecimento de que a eletrificação total não é, ainda, financeiramente nem socialmente sustentável para todos.
A Europa está a abandonar o modelo de “uma única solução” para abraçar um novo paradigma tecnológico, onde coexistem:
- Elétrico
- Hidrogénio
- Combustão avançada
- Combustíveis sintéticos
O futuro deixou de ser elétrico. Passou a ser plural, tecnológico e adaptável, refere o pplware.




