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UMA GUERRA ESQUECIDA
Ainda os tiros que tinham vitimado Sidónio ecoavam no Rossio, e já na outra ponta da linha férrea que dali partia no Porto era restaurado o regime monárquico.
Em Lisboa, os republicanos formaram um executivo obedecendo à Constituição de 1911, mas as Juntas Militares conservadoras não se conformaram e exigiram “um governo de força”. Contavam para isso com o apoio dos civis que giravam em torno do Integralismo Lusitano, de extrema-direita.
O deposto rei D. Manuel II não só acompanhava tudo com a máxima atenção a partir do seu exílio inglês como dera mesmo luz verde à movimentação monárquica. A ideia dos insurrectos era estender as suas movimentações a todo o País, mas as Juntas Militares de Lisboa mostraram-se divididas. Porém, a 22 de janeiro de 1919 uns 70 monárquicos hasteavam a bandeira azul e branca na antena telegráfica do alto de Monsanto.
Ali acabariam por ser cercados e desfeiteados por militares e civis leais à República. Mas não terminou aqui a guerra civil de 1919. Só a 13 de fevereiro, depois de combates no litoral centro do País, é que as forças republicanas entraram na Invicta e puseram termo à efémera Monarquia do Norte.
OS CRIMES DA NOITE SANGRENTA
A barbaridade maior estava, no entanto, para vir. Na noite de 19 de outubro de 1921, uma pequena camioneta de caixa aberta tripulada por marinheiros e soldados da GNR foi recolhendo em suas casas o chefe do governo e outras figuras destacadas da vida política. Um a um, estes foram depois abatidos a tiro na rua, no meio de insultos e sevícias.
A data ficou conhecida por Noite Sangrenta e o veículo por Camioneta Fantasma.
Os sublevados, chefiados pelo cabo marinheiro Abel Olímpio (alcunhado de Dente de Ouro), assassinaram o primeiro-ministro António Granjo, o antigo herói da Rotunda Machado Santos, o ex-ministro da Marinha e ex-presidente da Câmara de Lisboa Carlos da Maia e outras figuras destacadas.
O que está por detrás da Noite Sangrenta pode ter sido a demissão de Liberato Pinto da chefia do Governo e do comando da GNR, mas falou-se também de conspiração monárquica. A hipótese de se ter tratado de uma movimentação orquestrada na sombra por setores do Partido Democrático também é plausível: este partido, dominante ao longo dos 16 anos da Primeira República, ter-se-ia assim vingado de inimigos políticos.
Recentemente, uma peça de teatro e uma série de TV vieram acrescentar dados a esta tragédia, mas as explicações são sempre orientadas pelo posicionamento ideológico dos autores.
‘LOUCOS’ ANOS 20
Depois de mais uma série de tentativas frustradas de revolução, normalmente com mortos e feridos, em 1926 seria instaurada uma ditadura que duraria 48 anos.
Mas mesmo o triunfo da extrema-direita não foi pacífico, já que as fações militares se digladiaram a tiro ao longo dos meses de maio e junho. Nos primeiros anos da ditadura, os “velhos republicanos” tentaram ainda inverter a situação, e houve mais vítimas nos combates de fevereiro de 1927, que se estenderam do Porto a Lisboa.
No final dos confrontos, que as tropas da ditadura venceriam, contavam-se 70 mortos no Porto e 50 em Lisboa, além de milhares de feridos nas duas cidades.
Passados quatro anos, e já com a ditadura solidamente instalada, houve um estertor do chamado “Reviralho”, agora na Madeira e nos Açores.
E em 1936, com Salazar sentado no poder, revoltaram-se no Tejo os marinheiros de dois navios de guerra, acabando o canhoneio do forte de Almada por fazer dez vítimas mortais. O grosso dos marujos revoltosos iria “inaugurar” involuntariamente o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, um inferno tropical criado por um regime que usava um tom paternalista para impor a sua “verdade” indiscutível.
E cuja polícia política (sucessivamente chamada PVDE, PIDE e DGS) prendia, torturava e fazia desaparecer oposicionistas com toda a facilidade em nome dos “brandos costumes”.
(cont.)