Entre os pinhais aromáticos e os arbustos silenciosos da costa sul de Portugal, existe um habitante tão enigmático quanto fascinante. Um verdadeiro mestre da invisibilidade, que passa despercebido à maioria dos que percorrem os trilhos do Algarve — mesmo aos mais atentos à vida selvagem. Estamos a falar do camaleão-do-Mediterrâneo (Chamaeleo chamaeleon), um dos segredos mais extraordinários da natureza portuguesa.
Este pequeno réptil, com olhos que se movem de forma independente e uma língua que dispara com a velocidade de um relâmpago, é um símbolo frágil da biodiversidade algarvia. Outrora comum, tornou-se hoje uma raridade que exige respeito, proteção e admiração profunda.
Um camaleão à portuguesa: exclusivo do Algarve e invisível aos distraídos
Em todo o território nacional, é apenas no Algarve que podemos encontrar camaleões em liberdade. De acordo com o portal Algarve Marafado, esta é a única região do país onde esta espécie vive de forma natural, embora discretamente. A sua presença, ainda que silenciosa, é parte integrante do ecossistema algarvio — e vê-la ao vivo é um privilégio reservado aos mais pacientes e observadores.
O camaleão-do-Mediterrâneo mede até 30 cm e pode pesar entre 10 e 120 gramas. O seu corpo ágil e escamoso, que muda de cor consoante o ambiente, serve dois propósitos vitais: confundir predadores e enganar as presas. Com movimentos lentos e quase hipnóticos, funde-se com o cenário à sua volta — seja entre folhas secas, troncos ou arbustos em flor.
Um caçador de precisão: língua fatal, silêncio absoluto
Se o corpo do camaleão é uma obra-prima da camuflagem, a sua técnica de caça é um espetáculo de precisão. Em silêncio absoluto, observa, calcula distâncias e, no momento certo, dispara uma língua longa, viscosa e pegajosa que se estende mais do que o próprio corpo. Em frações de segundo, moscas, gafanhotos ou pequenos insectos são capturados sem hipótese de fuga.
Este comportamento impressionante, aliado à sua aparência quase pré-histórica, torna o camaleão um dos animais mais cativantes da fauna ibérica — e um verdadeiro desafio para os fotógrafos e amantes da natureza.
Uma história que atravessa séculos
Embora muitas pessoas julguem o camaleão como um animal exótico, a verdade é que a sua ligação ao sul da Europa remonta a séculos. Segundo o portal Wilder, o Chamaeleo chamaeleon é a única espécie do género que ocorre naturalmente na Europa.
Em Portugal, acredita-se que terá sido introduzido antes de 1500, por via das rotas comerciais entre o norte de África e o sul da Península Ibérica.
Desde então, fez do Algarve a sua casa. Uma casa que hoje está ameaçada.
Um futuro incerto: entre ameaças silenciosas e sobrevivência resiliente
O camaleão do Algarve enfrenta hoje uma encruzilhada ecológica. As alterações climáticas, embora paradoxalmente possam alargar a sua área de distribuição para norte, não eliminam os perigos que se avolumam:
- Destruição e fragmentação de habitats
- Uso indiscriminado de pesticidas
- Frequentes incêndios florestais
- Predação por cães e gatos domésticos
- Risco de atropelamento ao atravessar estradas
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A criação de corredores ecológicos, como cordas ou cabos entre zonas de vegetação, pode permitir a estes répteis atravessarem zonas perigosas sem descer ao solo — reduzindo significativamente o risco de morte.
Ciclos de vida discretos, mas bem marcados
Os camaleões são mais ativos entre a primavera e o verão, altura em que procuram alimento e acasalam. Durante o inverno, entram num estado de letargia, escondidos e imóveis. As fêmeas colocam os ovos no outono, que só eclodem no verão seguinte. A esperança média de vida ronda os 10 anos, embora poucos sobrevivam até essa idade devido às ameaças crescentes.
Onde procurar este animal encantado?
Encontrar um camaleão é um exercício de atenção plena. Não se vê um camaleão, encontra-se — e quase sempre quando menos se espera. Lugares como:
- Os passadiços entre a Praia Verdelago e a Praia de Manta Rota
- Ramos de sabugueiro nas manhãs húmidas do Algarve
- Entre sobreiros e azinheiras na serra algarvia, ao som dos abelharucos
são pontos de observação privilegiados. Também já foram identificadas condições favoráveis para a espécie em zonas como a Costa Vicentina, Melides, Meco, Serra da Arrábida, Comporta, estuários do Tejo e Sado, e até no Alentejo interior, Beira Baixa e Douro Internacional.
Um apelo urgente: proteger o invisível
O camaleão do Algarve é mais do que um animal curioso — é um símbolo da resiliência, da adaptação e do equilíbrio natural. Perder esta espécie seria perder um pedaço da alma do sul de Portugal, refere o Postal do Algarve. Cabe-nos a todos — cidadãos, instituições e visitantes — garantir que este ser silencioso continue a viver entre nós.
Ver um camaleão é uma experiência rara. Saber que ainda existe, é uma responsabilidade de todos.
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