Muralha Fernandina é o nome pela qual ficou conhecida a cintura medieval de muralhas do Porto, da qual somente pequenas partes sobreviveram até aos nossos dias.
A ideia de construir uma nova muralha à volta da cidade do Porto, de modo a oferecer aos seus moradores as garantias de proteção e de defesa que então já não tinham, surgiu em 1336.
Reinava D. Afonso IV há pouco mais de dez anos e a necessidade duma tal cerca fez-se sentir mais premente na sequência duma tentativa de invasão castelhana patrocinada por Afonso XI. O intento foi anulado pelo esforço heróico das hostes portuguesas, valorosamente comandadas pelos bispos de Braga (D. Gonçalo Pereira) e do Porto (D. Vasco Martins), aos quais se juntou o grão-mestre da Ordem de Cristo, D. Frei Esteves Gonçalves.
A batalha travou-se nas margens do rio Leça, sendo os castelhanos derrotados e obrigados a bater em retirada. Receando novas investidas, o rei «Bravo», no Verão de 1336, decidiu patrocinar a construção dum sólido muro defensivo em redor do Porto, para substituir a Cerca Velha, desde há muito rompida pelo alargamento e expansão do burgo portucalense e pelo desgaste dos anos.
D. Afonso IV morreu em 1357, sem ver construída na totalidade a muralha que mandara erguer. O seu sucessor, D. Pedro I, talvez preocupado com outras questões de justiça, esqueceu a obra iniciada pelo pai e seria D. Fernando que haveria de empenhar-se no prosseguimento das obras. Só em 1376, 40 anos depois de lançada, a cerca ficou concluída. Daí o nome de «muralha fernandina».
Esta muralha, rodeando de largo a fortificação primitiva, tinha um perímetro de 2.600 metros e cerca de 10 de altura, abrangendo uma área de 44 hectares (12 vezes superior à cerca primitiva). A nova cerca tinha parapeitos interiores e exteriores, estes últimos com grossas ameias destinadas a proteger os adarves.
Os muros eram ainda reforçados por 30 torres quadradas, de grossa cantaria, cuja altura variava entre 14 e 21 metros, e abriam-se para o exterior em várias portas e postigos (conforme a sua importância e serventia), para entrada e saída de pessoas, carros, animais e mercadorias.
A maior parte dessas aberturas dava para o rio e foram aumentando ao longo dos tempos e de acordo com as necessidades da população e do desenvolvimento da cidade, até atingirem o número total de 18: as Portas do Sol, Cimo de Vila, dos Carros, de Santo Elói, do Olival, das Virtudes, da Esperança e Nova (ou Nobre, por ser a mais importante de todas e ser por ela que entravam reis, bispos e outras personalidades importantes quando vinham à cidade) e os Postigos dos Banhos, da Lingueta, do Terreirinho, do Carvão (o único que sobreviveu até hoje), do Peixe, da Ribeira (mais tarde transformado em porta), do Pelourinho, da Forca, da Madeira e da Areia.
A expansão da cidade, cujo florescimento se acentuou nos séculos XVIII-XIX, fez com que grande parte da população vivesse nos arrabaldes, já fora dos muros. Em nome do progressivo desenvolvimento urbano, a muralha vinha a ser sacrificada já desde o século XVII, desmantelamento que se acentuou ainda mais nos séculos XVIII e XIX.
Aos poucos, e tal como acontecera com a anterior cerca, os seculares muros da fernandina foram sendo submersos pelo casario ou apeados, tanto pelas inclemências do tempo como pelo camartelo municipal, para abertura de novos arruamentos ou para ganhar espaço para construção de casas.
Em muitos dos edifícios públicos que foram construídos a partir do século XVII foram aproveitadas as pedras da muralha derrubada. No século XIX, a muralha sofreu a condenação final, sendo demolida na sua quase totalidade.
O melhor e mais bem preservado pano da muralha fernandina, dos restos ainda existentes, encontra-se na escarpa dos Guindais, aqui fotografado da Ponte D. Luís.
Os troços que escaparam à sanha de destruição da muralha, nos Guindais e nas Virtudes, foram restaurados pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais nos anos 20, ficando salvo para a posteridade o testemunho do esforço dos portuenses medievais na defesa da sua cidade.
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Hoje, além do pano da muralha existente na escarpa dos Guindais, podem ainda ser admirados o troço das Virtudes e os vestígios ocultos nas traseiras de casas que dão para a Praça da Batalha, da Rua de 31 de Janeiro, nas traseiras do Passeio das Cardosas, entre as ruas dos Clérigos e de Trás, nas ruas de Barbosa de Castro e de Francisco da Rocha Soares, perto da Calçada do Forno Velho e na Rua de S. Francisco.
De todas as passagens de serventia que teve a muralha fernandina, num total de 18, entre portas e postigos, resta hoje apenas o Postigo do Carvão, um dos nove que existiram na zona da Ribeira, voltados para o rio. Ligava o Cais da Estiva (ou da Alfândega Velha) à Rua da Fonte Taurina. Devido às obras efetuadas no local, ao longo dos anos, este postigo está hoje pouco visível.
No interior, vêem-se ainda os degraus de acesso à parte superior do muro, onde existiu outrora uma inscrição gótica que assinalava o facto de se ter encarregado um vedor de examinar as âncoras de Gaia, «para pôr uma cadeia e amarração», no ano de 1348, o que leva a concluir que a parte da muralha em que se inseria foi construída ainda no reinado de D. Afonso IV.
Este postigo servia para dar entrada ao carvão que, extraído ou fabricado nas carboníferas de Gaia e Gondomar, era transportado em barcaças e descarregado num dos cais da Ribeira. Era o quarto postigo a seguir à Porta Nova (ou Nobre), no sentido do Leste, depois dos Banhos, da Lingueta e do Terreirinho. Seguiam-se os da Ribeira (mais tarde alargado em porta), do Pelourinho, da Forca, da Madeira e da Areia, seguindo depois a muralha pelos Guindais acima.
Um dos trechos subsistentes da Muralha Fernandina é o que corre paralelamente às íngremes Escadas do Caminho Novo (antes chamadas da Esperança), em Miragaia, que se iniciam na Rua Nova da Alfândega (cuja abertura, em 1872, muito contribuiu para a destruição de parte da muralha na zona de Miragaia e da Ribeira) e terminam na Rua de Tomás Gonzaga.
Este pano da muralha é praticamente o que resta da cerca que descia do monte da Vitória, passando pelas Virtudes e ao lado das Escadas da Esperança, até chegar à Porta Nova (ou Nobre), já na Ribeira. Subindo as Escadas do Caminho Novo, os restos da muralha prolongam-se entre o casario, ao longo da Rua de Francisco da Rocha Soares (onde ainda se pode ver um dos cubelos «espreitando» sobre os telhados) e só volta a ver-se junto ao Campo dos Mártires da Pátria (Cordoaria), no interior do Café da Porta do Olival.