O amor não conhece limites, nem fronteiras e assim, uma freira se apaixonou por um soldado no Alentejo, mais concretamente, em Beja.
Todos gostamos de uma bela história de amor, não é verdade? Habituamo-nos, desde cedo, a ler histórias sobre os amores encantados de príncipes e de princesas. Porém, o amor não tem limites. Não conhece idades, estratos sociais, géneros, raças ou credos.
Por isso, não é de admirar que hoje falemos sobre o amor inesperado entre uma freira e um soldado. Digna do melhor romancista, esta história não foi escrita por Camilo Castelo Branca ou por outro escritor português.
Esta foi uma história real e verídica que aconteceu no Alentejo, na pacata cidade da Beja. Fique a saber mais pormenores.
A freira que se apaixonou por um soldado no Alentejo
O amor não conhece limites, nem fronteiras e, assim, uma freira se apaixonou por um soldado… Podia ser a história de Romeu e Julieta ou, com sotaque português, de Pedro e de Inês, mas não. Desta feita, falamos do episódio de amor impossível entre uma freira e um soldado.
Aconteceu no Alentejo, mais concretamente em Beja, e este é só mais um motivo para visitar e ficar a conhecer este destino alentejano que, além de belos monumentos e de iguarias culinárias de fazer babar, também possui estórias encantadoras, como aquela que aqui vamos partilhar.
Quem foi Mariana Alcoforado (1640-1723)?
Mariana Alcoforado é o nome da freira que se apaixonou por um soldado e cuja história já inspirou várias páginas de livros sobre amor e romance.
Quem visita Beja pode, de alguma forma, visitar os muitos locais percorridos por esta freira. A casa onde nasceu, as ruas que percorreu e a janela gradeada de onde admirava o seu amado, um soldado francês.
A casa de Mariana Alcoforado é visitável. Pode ainda ficar a conhecer o convento (hoje museu) para onde entrou aos 11 anos e, ainda, a janela que dava para as Portas de Mértola.
As origens de Mariana Alcoforado
Esta mulher nasceu no solar da família Alcoforado, no centro de Beja, no seio de uma família abastada.
Com 11 anos, entrou no Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, o qual ficava perto de sua casa, no centro da cidade.
Anos mais tarde, em 1663, Mariana terá visto através da janela de clausura dos seus aposentos um soldado francês, de 27 anos, chamado Noel Bouton, o qual estava a apoiar as tropas portuguesas a combater as castelhanas na Guerra da Restauração.
Ambos ter-se-ão apaixonado e encontrado algumas vezes, até que Noel teve de regressar a França, no fim da guerra. Mariana permaneceu no convento, de coração partido e inconsolável.
As Cartas Portuguesas
Para superar a dor e a distância, Mariana terá dirigido várias cartas ao seu amado, as quais acabaram por ser traduzidas em várias línguas, embora durante anos a sua publicação tenha sido proibida em alguns países, como França, por exemplo.
Se as cartas de amor são sempre um registo apetecível, as cartas de amor de uma freira tornam-se ainda mais interessantes e cativantes.
Na biblioteca local, pode ler cinco curtas cartas de amor, onde Mariana expõe o amor incondicional e exacerbado que a freira sentia pelo soldado francês. Além da dolorosa saudade sentida, Mariana pedia também notícias do militar, de modo a saber como ele se encontrava.
Vivendo em clausura, a paixão de Mariana tornou-se numa referência do amor impossível e doloroso, tendo-a também tornado numa autora romântica de referência quer em Portugal, quer além-fronteiras.
Excerto de uma “carta portuguesa” de Mariana Alcoforado
“Ignoro por que motivo te escrevo…
Vejo que apenas terás dó de mim, e eu rejeito a tua compaixão, e nada quero dela;
Enfado-me contra mim mesma, quando faço reflexão sobre tudo o que te sacrifiquei…
Perdi a minha reputação; expus-me aos furores de meus pais e parentes, às severas
leis deste Reino contra as religiosas…
E à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças… Ainda assim eu
sinto que os meus remorsos não são verdadeiros, e que do íntimo do meu coração
quisera ter corrido muito maiores perigos por Amor de ti, e provo um funesto prazer de ter arriscado por ti vida e honra.
Tudo o que me é mais precioso não devia eu entregá-lo à tua disposição?…
E não devo eu ter muita satisfação de o ter empregado como fiz?…
Parece-me até não estar contente, nem dás minhas mágoas, nem do excesso de meu amor, ainda que, ai de mim! Não possa, mal pecado, lisonjear-me de estar contente de ti…
Vivo, e como desleal, faço tanto por conservar a vida, quanto perdê-la!…
Morro de vergonha…
Acaso a minha desesperação existe somente nas minhas?…
Se eu te amasse com aquele extremo que milhares de vezes te disse, não teria eu já de
longo tempo cessado de viver?…
Enganei-te…
Tens toda a razão de queixar-te de mim…
Ah! por que não te queixas?…
Vi-te partir; nenhumas esperanças posso ter de mais ver-te. e ainda respiro!…
É uma traição…
Peço-te dela perdão. Mas não mo concedas…
Trata-me rigorosamente. Não julgues os meus sentimentos veementes…
(…)
Sê mais difícil de contentar…
Ordena-me nas tuas cartas que morra de Amor por ti…
Oh! conjuro-te de me dares esse auxílio para poder vencer a fraqueza do meu sexo,
e pôr termo às minhas irresoluções, por um golpe de verdadeira desesperação. Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar muitas vezes em mim…
A minha memória te seria cara, e quiçá esta morte extraordinária te causaria uma sensível comoção.
E a morte não é porventura preferível ao estado a que me abaixaste?…
Adeus! Muito quisera nunca haver posto os olhos em ti.
Ah! sinto vivamente a falsidade deste sentimento, e conheço neste mesmo instante em que te escrevo, quanto prefiro e prezo mais ser infeliz amando-te, do que não te haver jamais visto.
Cedo sem murmurar à minha malfadada sorte, já que tu não quiseste torná-la melhor. Adeus.
Promete-me de conservar uma terna e maviosa saudade de mim, se eu falecer de dor; e assim
possa ao menos a violência da minha paixão, inspirar-te desgosto e afastar-te de tudo!
Esta consolação me será suficiente, e, se é força que te abandone para sempre, desejara muito não deixar-te a outra.
Dize, não seria nímia crueldade a tua, se te servisses da minha desesperação para, pareceres mais amável, mostrando que acendeste a maior paixão que houve no mundo?
Adeus outra vez…
Escrevo-te cartas excessivamente longas, o que é uma falta de consideração para ti: peço-te mil perdões, e atrevo-me a esperar que terás alguma indulgência para com uma pobre insensata, que o não era, como tu bem sabes, antes de amarte.
Adeus.
Parece-me que demasiadas vezes me dilato em falar do estado insuportável em que estou.
Contudo agradeço-te, do íntimo do meu coração, a desesperação que me causas, e aborreço o sossego em que vivi antes de conhecer-te…
Adeus.
A minha paixão cresce a cada momento.
Ah! quantas cousas tinha ainda para dizer-te!…”
De Convento a Museu
Atualmente, o Convento onde Mariana terá chorado muitas lágrimas de saudade do seu amor é o Museu Regional de Beja. Todavia, o edifício preserva alguns pormenores do anterior convento, como a janela de onde Mariana terá admirado o seu amado, Noel.
Esta construção albergou Mariana dos 11 aos 83 anos de idade, altura em que faleceu.
As representações deste amor
O reconhecimento desta história de amor fica patente de várias maneiras, nomeadamente em pinturas, serigrafias e outros trabalhos que alguns artistas lhe dedicaram, como foi o caso do reconhecido artista Matisse.
Apesar de localmente poder não ter a popularidade esperada, o nome de Mariana Alcoforado tem fama nacional e internacional. Para se ter uma noção mais exata desse reconhecimento, importa dizer que anualmente são publicadas cerca de 50 edições sobre Mariana nas mais diversas línguas.
Neste sentido, para muitas pessoas, Beja pode ser uma cidade conhecida por via da freira que ali habitou e que se apaixonou por um soldado francês, amor que deu origem a belas e marcantes cartas.
Portanto, apesar deste destino alentejano ter muitos outros atrativos, é certo que nesta cidade também pode ser explorado um dado turismo romântico e literário.
Provavelmente já foi a Beja, mas nunca pensou ser possível visitar esta cidade tendo como mote a história de um amor impossível. Porém, agora que já conhece a história de uma freira chamada Mariana Alcoforado que se perdeu de amores por um soldado francês, por que não visitar Beja e organizar o seu roteiro em função deste amor? Deixamos-lhe algumas informações que lhe podem vir a ser úteis.
Informações úteis
Casa da família Alcoforado / Clube Bejense
Casa palacete construída durante o século XVII, que sofreu alterações durante o século XIX.
Morada: Rua do Touro, 44 7800-489, Beja
Contactos: 284324487
Museu Regional de Beja
O Museu conserva ainda a grande janela gradeada, mais conhecida como a Janela de Mértola, das Portas de Mértola ou de Mariana, através da qual a religiosa via o seu enamorado.
Morada: Largo da Conceição 7800-131 Beja
Contactos: 284 323 351 / [email protected] / https://www.museuregionaldebeja.pt/
Biblioteca Municipal de Beja
Morada: Rua Luís de Camões
Contactos: 284 311 900 / [email protected]