A história de D. Pedro I de Portugal é marcada por paixão, vingança e crueldade, envoltas num contexto de guerra, política e tragédia pessoal. Apelidado de “O Justiceiro”, a sua vida e reinado são testemunhos de uma personalidade complexa, profundamente moldada pelo assassinato de D. Inês de Castro, a mulher que amava.
A paixão que abalou Portugal
Em 1340, Inês de Castro chegou à corte portuguesa como dama de companhia de D. Constança Manuel, a esposa do infante D. Pedro. De origem galega e com uma beleza notável, Inês conquistou rapidamente o coração do jovem príncipe. A ligação entre os dois, contudo, era escandalosa para a época, sobretudo porque D. Pedro já era casado.
Tentando afastar Inês, D. Constança convidou-a para ser madrinha do seu filho, D. Luís, na esperança de que isso interrompesse o romance, dada a relação de parentesco espiritual criada pelo batismo. No entanto, a morte prematura de D. Luís não impediu o crescimento do amor entre D. Pedro e Inês. Quando D. Constança faleceu, em 1345, durante o parto de D. Fernando (futuro rei), D. Pedro assumiu publicamente o seu relacionamento com Inês, desafiando a moral e os costumes da corte.
O assassinato de Inês
A relação entre D. Pedro e Inês trouxe tensões políticas. Filha de Pedro Fernandez de Castro, um nobre galego, Inês era vista como uma ameaça para a estabilidade do reino. O casal teve quatro filhos (três sobreviveram: D. João, D. Dinis e D. Beatriz), e havia receio de que a linhagem deles pudesse desafiar a legitimidade de D. Fernando, o herdeiro legítimo ao trono.
A situação culminou a 7 de janeiro de 1355, quando, aproveitando a ausência de D. Pedro, que estava numa caçada, D. Afonso IV ordenou a execução de Inês. Ela foi degolada em Coimbra, nos jardins do Paço de Santa Clara, sob o conselho de três nobres: Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco.
A fúria de D. Pedro
Devastado pela perda de Inês, D. Pedro declarou guerra ao pai, iniciando uma guerra civil que assolou o reino entre 1355 e 1356. Apesar de uma eventual reconciliação, D. Pedro nunca perdoou os assassinos de Inês. Após a morte de D. Afonso IV em 1357, D. Pedro subiu ao trono e iniciou a sua vingança, explica a VortexMag.
Dois dos responsáveis pela morte de Inês, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves, foram capturados e condenados a execuções brutais. Fernão Lopes, o cronista da época, relata que um deles teve o coração arrancado pelo peito e o outro pelas costas, num castigo realizado na presença do rei, que assistiu enquanto tomava a sua refeição.
A coroação de Inês de Castro
Em 1360, D. Pedro proclamou que tinha casado secretamente com Inês anos antes da sua morte, conferindo-lhe o título de rainha póstuma. Ordenou a trasladação dos seus restos mortais para o Mosteiro de Alcobaça, onde Inês foi colocada num túmulo magnífico, frente a frente com o de D. Pedro, para que, segundo a lenda, pudessem “olhar-se nos olhos” na eternidade.
O reinado de D. Pedro
Apesar de ser lembrado pelo seu temperamento violento e pela obsessão pela justiça, D. Pedro governou durante uma década de prosperidade. Instituiu reformas significativas, como o “beneplácito régio”, que limitava a interferência do Papa nos assuntos do reino, reforçando a soberania portuguesa.
Contudo, o lado sombrio do rei continuava presente. Epilético e gago, D. Pedro era conhecido por torturar pessoalmente aqueles que se recusavam a confessar crimes. Fernão Lopes descreve-o como alguém que aplicava a justiça com as próprias mãos, o que lhe valeu a alcunha de “O Justiceiro”.
Rumores sobre a sua vida pessoal
A sexualidade de D. Pedro também alimentou rumores na época. Além dos seus amores conhecidos por D. Constança e D. Inês, o cronista Fernão Lopes menciona uma relação próxima com Afonso Madeira, um dos seus escudeiros. A história termina de forma trágica para Afonso, que foi punido cruelmente por se envolver com uma dama da corte: teve os seus órgãos genitais mutilados, sobrevivendo, mas com sequelas físicas permanentes.
O legado dos túmulos de Pedro e Inês
Os túmulos de D. Pedro e D. Inês no Mosteiro de Alcobaça são um dos maiores símbolos de amor e tragédia em Portugal. Durante a sua história, enfrentaram vandalismos, como os ocorridos durante a Invasão Francesa, em 1810, quando os túmulos foram profanados e danificados. Apesar disso, continuam a atrair visitantes de todo o mundo, fascinados pela história do “amor além da morte”.
Em 1956, os túmulos foram reposicionados frente a frente, numa disposição que reforça a lenda de que Pedro e Inês estariam destinados a encontrar-se na eternidade.
Um rei entre a paixão e a justiça
D. Pedro I é uma figura que transcende o seu tempo. O seu reinado ficou marcado pela prosperidade e pela implementação de reformas importantes, mas a sua vida pessoal, repleta de paixões e atos de vingança, transformou-o num personagem quase mítico.
A história de D. Pedro e Inês de Castro continua a inspirar escritores, artistas e cineastas, perpetuando um dos romances mais dramáticos e trágicos da história de Portugal.