O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, voltou a lançar uma proposta que está a incendiar o debate político e económico em Bruxelas: a criação de um salário mínimo comum em toda a União Europeia. A ideia, embora envolta em boas intenções, levanta questões profundas sobre o equilíbrio entre solidariedade e soberania económica dentro do bloco europeu.
À primeira vista, a proposta soa bem – especialmente aos ouvidos de quem vive em países como Portugal, onde o salário mínimo nacional continua demasiado próximo do salário médio, e onde o custo de vida sobe a um ritmo que os rendimentos já não acompanham. Quem não gostaria de ver um Portugal onde cada trabalhador recebesse, no mínimo, 1.500 euros mensais? É um sonho legítimo, mas, por agora, apenas isso: um sonho.
O que Pedro Sánchez propõe realmente
Ao contrário do que muitos imaginaram, Pedro Sánchez não quer uniformizar os salários em toda a Europa. O que propõe é a criação de um salário mínimo europeu de referência, um limite que funcionaria como base comum a todos os Estados-Membros. Cada país continuaria a definir o seu próprio salário mínimo, mas seria obrigado a garantir que este respeita um determinado patamar europeu.
A proposta surge como resposta à crescente desigualdade salarial no seio da União, e também como forma de travar o chamado dumping salarial – a prática em que países mantêm salários muito baixos para atrair investimento estrangeiro, sacrificando as condições de vida dos trabalhadores. O objetivo é claro: impedir que o trabalhador europeu seja o elo mais fraco da cadeia económica e que a competitividade se faça à custa do seu bem-estar.
A Europa das duas velocidades: um continente, várias realidades
Contudo, é impossível ignorar o grande obstáculo que se ergue perante esta ideia: a Europa não é igual em todo o lado. O custo de vida em Lisboa não se compara com o de Copenhaga, tal como o poder de compra em Atenas está longe de equivaler ao de Berlim. Há uma Europa rica e industrializada, com salários robustos e economias sólidas, e há uma Europa periférica, ainda marcada por décadas de desigualdade estrutural.
Portugal é um exemplo claro dessa disparidade. Apesar dos avanços registados nas últimas décadas, o país continua a ter um dos salários mínimos mais baixos da zona euro.
A nossa economia, fortemente dependente de pequenas e médias empresas, não possui a mesma capacidade de absorver aumentos salariais massivos. Se o salário mínimo português subisse repentinamente para 1.500 euros, as consequências seriam devastadoras: aumento do desemprego, falências em cadeia e um abalo estrutural no tecido empresarial.
Um salário mínimo europeu uniforme, sem ter em conta o custo de vida local, poderia ser a sentença de morte para economias mais frágeis – precisamente aquelas que a proposta pretende ajudar.
Portugal e o dilema do crescimento desigual
Em Portugal, o problema não é apenas o valor do salário mínimo. É a distância curta – e perigosa – que o separa do salário médio. Quando a maioria dos trabalhadores ganha praticamente o mesmo, desaparece o incentivo ao mérito, à progressão e à produtividade. O resultado é um mercado de trabalho estagnado, onde os jovens mais qualificados continuam a emigrar e as empresas lutam para reter talento.
Um aumento artificial e uniforme do salário mínimo, imposto por Bruxelas, não resolveria este problema. Pelo contrário, poderia aumentar a rigidez económica e dificultar a criação de emprego qualificado. A solução, portanto, não passa por tabelas fixas, mas por uma estratégia europeia que promova a convergência real dos salários através da inovação, da educação e da competitividade produtiva.
Em vez de importar soluções simplistas, Portugal precisa de políticas que valorizem o trabalho qualificado, melhorem a produtividade e incentivem as empresas a pagar mais – porque geram mais valor, e não porque são forçadas a isso por decreto.
Uma proposta com cheiro a política
A ideia de Sánchez, embora ambiciosa, tem também uma forte componente política. Num momento em que a União Europeia enfrenta tensões internas, populismos crescentes e desconfiança entre norte e sul, a promessa de um salário mínimo europeu soa como uma mensagem de esperança e igualdade. É uma narrativa poderosa, especialmente para quem sente que a globalização beneficiou poucos e deixou muitos para trás.
No entanto, por trás da retórica, está a dura realidade da política económica. Para que uma medida destas fosse viável, a Europa teria de caminhar para uma integração fiscal e laboral profunda, algo próximo de uma federação económica. Isso implicaria abdicar de parte da soberania nacional em matéria de política salarial – uma decisão que dificilmente encontraria consenso entre os 27 Estados-Membros.
A proposta é, portanto, mais simbólica do que prática: uma bandeira política para reforçar a ideia de solidariedade europeia, mesmo que a sua execução seja, por agora, quase impossível.
O futuro da Europa e a lição para Portugal
O debate em torno do salário mínimo europeu é, no fundo, um espelho das contradições da União Europeia. Queremos igualdade, mas não queremos perder a autonomia nacional. Queremos solidariedade, mas não estamos dispostos a partilhar o mesmo nível de esforço económico. É um dilema político e moral que continua a dividir a Europa a duas velocidades.
Para Portugal, o desafio é outro: elevar o salário real sem destruir o equilíbrio económico. Isso passa por investir em produtividade, qualificação, inovação e políticas públicas que premiem o mérito e a criação de valor. O verdadeiro progresso não virá de Bruxelas – nascerá cá dentro, quando deixarmos de depender do mínimo e começarmos a lutar pelo máximo.
Por isso, por mais atraente que seja imaginar um salário mínimo europeu de 2.000 euros, convém manter os pés assentes na terra. As boas intenções não pagam contas – e as reformas estruturais, essas sim, constroem o futuro.
Conclusão: a utopia necessária
De acordo com a Leak, a proposta de Pedro Sánchez não é apenas uma ideia económica; é uma visão política de uma Europa mais justa. E, apesar de ser improvável no curto prazo, a sua força simbólica é inegável. Faz-nos pensar no que realmente queremos enquanto europeus: um continente competitivo ou uma comunidade solidária? Talvez o futuro da União Europeia dependa justamente da capacidade de encontrar o ponto de equilíbrio entre ambos.
Até lá, Portugal continuará a procurar o seu próprio caminho entre o realismo e o sonho. E talvez, um dia, o salário mínimo europeu deixe de ser uma utopia e passe a ser uma conquista. Mas, para isso, será preciso muito mais do que discursos – será preciso coragem política, coesão e, acima de tudo, vontade de mudar.
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