Nos últimos anos, multiplicaram-se os relatos de embarcações danificadas após encontros com orcas, sobretudo ao largo da Península Ibérica, o que gerou receios e alimentou a perceção de que estes majestosos mamíferos marinhos poderiam estar a desenvolver um comportamento agressivo. Um dos episódios mais mediáticos aconteceu em Portugal, quando uma embarcação particular acabou por afundar depois de ser atingida repetidamente por orcas. A narrativa dominante era clara: as orcas estavam a atacar barcos. No entanto, novas investigações científicas estão a transformar essa perceção e a revelar que, afinal, não se trata de agressividade, mas sim de curiosidade e brincadeira.
O que dizem os especialistas
O estudo conta com a participação de investigadores de renome, como Renaud de Stephanis, presidente do CIRCE (Centro de Conservação, Informação e Pesquisa sobre Cetáceos), em Espanha, e Clare Andvik, bióloga ligada à Universidade de Oslo, na Noruega.
Segundo Stephanis, mesmo nos incidentes mais recentes — incluindo os dois barcos turísticos que sofreram grandes estragos em Portugal — não há evidências de ataques no sentido de agressão, defesa territorial ou tentativa de predação, relatou ao Daily Mail.
De facto, as orcas parecem estar sobretudo fascinadas com o leme das embarcações, uma peça que, quando em movimento, vibra e oferece resistência, despertando os sentidos destes animais.
Para Andvik, o fenómeno pode ser comparado a um jogo, quase como uma brincadeira de “cabo-de-guerra” em que as orcas testam a força do leme e respondem aos estímulos que este provoca.
Incidentes em Portugal
O episódio mais recente ocorreu em 13 de setembro de 2025, perto de Lisboa, e resultou no afundamento de uma embarcação privada. Apesar dos danos materiais, não houve vítimas a lamentar: todos os tripulantes foram resgatados com segurança.
Este caso, como tantos outros, volta a colocar em destaque a necessidade de compreender melhor a linguagem comportamental destes animais extraordinários, que continuam a intrigar cientistas e navegadores.
O que fazer em caso de encontro com orcas
A nova perspetiva científica vem acompanhada de recomendações práticas. Os especialistas aconselham que os velejadores evitem parar as embarcações sempre que confrontados com orcas.
A melhor estratégia é manter uma velocidade constante, ligar o motor se necessário e reduzir as velas, navegando em direção à costa, de preferência em águas rasas, onde estes animais raramente se aproximam.
Evitar movimentos bruscos no leme pode reduzir o interesse das orcas, que tendem a perder a curiosidade mais rapidamente. Segundo Andvik, a chave está em não transformar o leme num estímulo ainda mais atrativo. A interação deve ser encarada como um momento de exploração por parte dos animais e não como um ataque iminente.
Orcas: predadores poderosos, mas não inimigos
Apesar desta imagem mais pacífica, não se deve esquecer que as orcas são predadores de topo, capazes de caçar tubarões-brancos, filhotes de baleias-jubarte e outras presas de grande porte.
Conseguem atingir velocidades de até 56 km/h e utilizam técnicas complexas de grupo, como bloqueio das vias respiratórias das presas, revelando inteligência e estratégia notáveis.
Ainda assim, os cientistas sublinham que as orcas não veem os humanos como presas e raramente representam perigo direto. Situações excecionais podem ocorrer, como quando um mergulhador se encontra por acidente entre elas durante uma caçada. Porém, no contexto das interações com barcos, a curiosidade — e não a agressividade — parece ser a explicação dominante.
Uma relação em transformação
A forma como a sociedade interpreta estes episódios terá impacto na proteção e conservação da espécie. Demonizar as orcas como predadores perigosos pode aumentar medos injustificados e prejudicar esforços de preservação.
Já reconhecer a sua inteligência, a sua curiosidade natural e a sua capacidade de interação com o ambiente pode abrir caminho para uma convivência mais harmoniosa entre o ser humano e estes gigantes do oceano.
O novo estudo não só redefine a compreensão sobre as chamadas “interações agressivas” como também desafia todos a ver nas orcas não um inimigo, mas sim um símbolo da força, da beleza e da complexidade da vida marinha.