A 1 de fevereiro de 1908, Portugal viveu um dos episódios mais trágicos e marcantes da sua história: o regicídio na Praça do Comércio, em Lisboa. Este atentado, que resultou na morte do rei D. Carlos I e do seu herdeiro, o príncipe real D. Luís Filipe, colocou em evidência a instabilidade política da época e levou ao início do fim da monarquia em Portugal.
Embora não seja tecnicamente correto afirmar que Portugal teve três reis num só dia, a sucessão trágica e quase imediata no trono levanta questões intrigantes sobre o processo de aclamação real e o impacto deste evento na história do país.
O contexto político: tensão e instabilidade
No início do século XX, Portugal vivia um clima de grande tensão política e social. A monarquia constitucional enfrentava desafios profundos, como o crescente movimento republicano, as divisões dentro do sistema partidário e a insatisfação popular com a gestão do país.
D. Carlos I, numa tentativa de estabilizar o regime, apoiou a ditadura do Partido Regenerador Liberal, liderado por João Franco, e suspendeu a Carta Constitucional em 1907. Esta decisão gerou uma forte oposição, tanto entre os republicanos quanto entre os monárquicos mais moderados. O descontentamento culminou no regicídio, que seria visto como o golpe final na fragilizada monarquia.
O dia do regicídio: tragédia no Terreiro do Paço
A tragédia ocorreu na tarde de 1 de fevereiro de 1908. O rei D. Carlos I, a rainha D. Amélia e o príncipe real D. Luís Filipe regressavam a Lisboa, após uma temporada em Vila Viçosa.
Apesar do ambiente de tensão, decidiram completar o trajeto entre o Cais do Sodré e o Palácio das Necessidades numa carruagem aberta, um ato que seria fatal.
Quando a carruagem passava pelo lado ocidental da Praça do Comércio, dois homens armados – Manuel Buíça e Alfredo Costa, membros de uma organização republicana – abriram fogo.
- D. Carlos I foi o primeiro a ser atingido. Uma bala atravessou o seu pescoço, matando-o instantaneamente.
- D. Luís Filipe, ao perceber o ataque, levantou-se e disparou contra um dos agressores, atingindo Alfredo Costa. No entanto, acabou por ser mortalmente ferido por Buíça, que lhe disparou uma bala de grosso calibre na face.
A rainha D. Amélia tentou desesperadamente proteger o seu filho mais novo, D. Manuel, usando um ramo de flores para afastar os atacantes. Apesar do caos, D. Manuel conseguiu sobreviver ao ataque, embora tenha ficado gravemente abalado com a perda do pai e do irmão.
3 reis num só dia?
Tecnicamente, o trono deveria ter passado de D. Carlos I para D. Luís Filipe imediatamente após a morte do monarca. Contudo, o príncipe real foi morto poucos minutos depois, antes de qualquer formalização da sua aclamação como rei.
Com a morte de ambos, o trono passou automaticamente para o segundo filho de D. Carlos, D. Manuel, que se tornou D. Manuel II, o último rei de Portugal.
Apesar da linha de sucessão clara, as formalidades legais e parlamentares necessárias para reconhecer oficialmente um novo rei não puderam ser cumpridas nesse dia. Assim, embora na teoria houvesse uma sucessão de três reis num único dia, na prática, apenas D. Manuel II foi considerado oficialmente rei.
O impacto do regicídio
O regicídio de 1908 marcou um ponto de viragem na história de Portugal. A morte de D. Carlos I e de D. Luís Filipe não só enfraqueceu a monarquia como acelerou o avanço do movimento republicano.
Apenas dois anos depois, em 1910, a república foi proclamada, pondo fim à monarquia em Portugal, explica a VortexMag.
D. Manuel II, ainda jovem e inexperiente, enfrentou enormes desafios durante o seu curto reinado. Apesar dos esforços para salvar o regime monárquico, a perda de apoio popular e o crescente poder dos republicanos tornaram impossível evitar a mudança de regime.
Curiosidades históricas
- A rainha D. Amélia tornou-se uma figura heroica pela sua coragem durante o atentado, tentando proteger a família com o que tinha à mão – um ramo de flores.
- Os assassinos, Manuel Buíça e Alfredo Costa, foram mortos no local, mas a investigação sobre o atentado levantou questões sobre a existência de uma conspiração maior.
- O impacto internacional foi significativo, com a tragédia a ser amplamente noticiada e a gerar reações de choque por toda a Europa.
Reflexão
O regicídio de 1908 é um episódio que ainda ressoa na memória coletiva de Portugal. Mais do que um evento isolado, simboliza o colapso de um sistema político e o início de uma nova era para o país.
Embora a ideia de “três reis num dia” seja tecnicamente imprecisa, ela reflete a intensidade e a complexidade de um dos dias mais trágicos da nossa história. É um lembrete poderoso das consequências da instabilidade política e da luta pelo poder que moldaram o nosso passado.