Na língua portuguesa há expressões fantásticas que são frequentemente usadas, como «amigos de Peniche», mas muitos desconhecem a sua origem…
A língua portuguesa é bastante complexa. Tem muitas regras gramaticais e algumas exceções que complicam o seu domínio. Além disso, existem diversas curiosidades sobre os mais variados temas.
A língua portuguesa tem uma riqueza incomum e é bastante fértil em expressões idiomáticas. Estas podem ser derivadas de lendas ou de vivências do quotidiano, por exemplo.
Quando as expressões idiomáticas vingam, eternizam-se e são usadas por sucessivas gerações. No entanto, muitas vezes perde-se a sua origem. Não existe um conhecimento sobre o seu surgimento.
Por exemplo, há expressões como “amigos de Peniche” que são frequentemente usadas. Muitos conhecem o seu sentido, mas desconhecem a sua origem.
Qual a origem da curiosa expressão «amigos de Peniche»?
Amigo de Peniche
A expressão amigo de Peniche tem origem em Portugal. O seu sentido é conhecido por muitas pessoas. Um amigo de Peniche é um falso amigo.
Quando uma pessoa que devia ser um parceiro se mostra desleal, revela que é uma pessoa que não merece a confiança que teve da nossa parte. Um amigo de Peniche apenas está interessado em receber algo de outros sem oferecer nada em troca.
O Contexto
Foi no contexto da crise de sucessão de 1580 que a expressão “Amigo de Peniche” teve origem, quando Filipe II de Espanha (que se tornaria Filipe I de Portugal) obteve a coroa portuguesa em detrimento de D. António, Prior do Crato.
O momento
No dia 26 de maio de 1589, desembarcou na praia da Consolação, próxima de Peniche, uma força de 6500 soldados ingleses que se encontrava sob o comando de Robert Devereux, 2º Duque de Essex.
Fazia parte de uma vasta expedição militar constituída por 140 navios e por 27 600 homens que se encontravam sob o comando de Francis Drake e pelo almirante John Norreys. As ordens eram dadas pela Rainha Isabel I da Inglaterra. O objetivo era colocar D. António no trono, como rei de Portugal, permitindo assim restaurar a soberania portuguesa.
A aliança
A Rainha Isabel I não desejava apenas respeitar a Aliança Luso-Inglesa. Ela também queria impedir os esforços espanhóis de reconstituir o seu poderio naval, após a derrota da Invencível Armada. Havia da parte dos ingleses o interesse em evitar uma nova tentativa espanhola de invasão à Inglaterra.
As movimentações militares
A ação militar até foi um sucesso, inicialmente. A Praça-forte de Peniche acabou por cair para o lado dos homens de Essex e a guarnição portuguesa, que se encontrava submetida ao comando espanhol, não opôs grande resistência.
Entretanto, as tropas que desembarcaram rumavam a Lisboa, por terra. O resto da frota, sob o comando de Francis Drake, teve instruções para ir até Cascais. Os objetivos da invasão eram conseguir cercar Lisboa, por terra e por mar. Além disso, havia o interesse em ocupar os Açores de modo a cortar a rota da prata que estava dominada pelos espanhóis.
A origem da expressão
Os portugueses foram passando a palavra: “Vêm aí os nossos amigos, eles desembarcaram em Peniche…”. No entanto, as forças inglesas mereceram a desconfiança portuguesa no caminho para Lisboa, ao saquearem Atouguia da Baleia, Lourinhã, Torres Vedras e Loures.
Momento da verdade
Quando se encontravam às portas da capital, as forças terrestres colocaram-se no Monte Olivete (atualmente conhecido como freguesia de São Mamede). Inicialmente, contudo, mudaram-se para a Boa Vista, o Bairro Alto e posteriormente para a Esperança, quando D. Gabriel Niño abriu fogo com os canhões do Castelo de São Jorge.
Infelizmente, a artilharia que a Rainha Isabel I prometera a D. António não viajara na expedição, o que limitava a capacidade de resposta dos ingleses.
O vira-casacas
Os ingleses ficaram surpreendidos com o Duque de Bragança. Eles não esperavam era que D. Teodósio II se colocasse a favor dos castelhanos. O Duque de Bragança era um grande rival político de D. António e como condestável de Portugal esperava-se outro comportamento.
No entanto, ao perceber que as forças que avançavam não tinham o apoio necessário para vencer, ele colocou-se a favor dos castelhanos. Ele reforçou as defesas de Lisboa à frente de um exército de 6.000 homens e portugueses.
Estratégia
Já em Cascais, Francis Drake aguardava a entrada em Lisboa da força terrestre, de forma a cercar a cidade no rio Tejo. No entanto, os homens de John Norris revelaram-se ineficazes no ataque realizado à capital, que se encontrava fortificada e mais bem defendida.
Os espanhóis tinham reforçado a guarnição e a repressão. As prisões da cidade encontravam-se cheias, sucediam-se execuções de resistentes, instalando-se o medo.
Os patriotas
Entretanto, os patriotas que se encontravam dentro das muralhas e estavam prontos a combater estranhavam a situação. Eles sabiam do desembarque inglês. No entanto, interrogavam-se: “Quando chegam os nossos amigos de Peniche?”; “Que se passa com os nossos amigos que desembarcaram em Peniche?”; “Nunca mais chegam os nossos amigos de Peniche!”…
O falhanço
Apesar do empenho dos portugueses, a sua ação militar também falharia. D. António recorrera ao argumento de que os portugueses se colocariam ao seu lado contra os espanhóis, de modo a conseguir o apoio militar de Inglaterra, esperando que os portugueses pudessem pegar nas armas, se fosse necessário combater.
No entanto, a ocupação assentava numa repressão extremamente feroz. Ela era reforçada com a ameaça da invasão, por isso o levantamento popular não aconteceu.
A origem da expressão
Desta forma, a expedição inglesa regressou à armada ancorada em Cascais menos de um mês após o desembarque. Ora, este procedimento foi surpreendente. Deixou os portugueses que se encontravam do lado do prior do Crato a perguntarem-se o que era feito dos tais “amigos de Peniche”. Os ingleses tinham sofrido danos importantes, mas foram mais atacados pela peste do que em combate. Eles saíram de Portugal (ou abandonaram os portugueses) sem alcançarem nenhum dos seus objetivos.
Por isso, desde esse tempo, que se tornou comum usar a expressão “amigos de Peniche” para designar todas as pessoas que se revelam falsas amigas.
Significado
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o significado desta expressão não está relacionado com os habitantes de Peniche. Está, sim, associada aos aliados de Portugal. Um “amigo de Peniche” é alguém que não cumpre o que promete. Um amigo que nos deixa ficar mal, que é desleal.
No Brasil
No Brasil, há uma expressão equivalente: amigo da onça. Embora esta também seja usada em Portugal (cada vez mais…). A expressão “Amigo da Onça” tem diferentes explicações.
Uma das explicações relaciona a expressão com o ato de pedir tabaco. Em tempos, o tabaco mais barato era o de enrolar em mortalhas.
Este tabaco era vendido em embalagens. Estas embalagens tinham o peso de uma onça, fazendo com o que a própria embalagem assumisse o nome de onça. Portanto, aquele amigo que só abordava alguns conhecidos para pedir tabaco era considerado um amigo da onça e não da pessoa.
A anedota
Um diálogo realizado entre dois amigos decorre da seguinte forma:
— O que farias se estivesses na selva e uma onça (um jaguar) aparecesse na sua frente?
— Eu dava-lhe um tiro, seguramente, sem medo.
— E se não tivesses uma arma de fogo contigo?
— Nesse caso, eu tentava feri-la com o meu facão.
— E se não tivesses o teu facão?
— Apanhava qualquer coisa para me defender, como um pau pontiagudo.
— E se não tivesses por perto esse pau?
— Procurava subir na árvore mais próxima.
— E se não tivesses nenhuma árvore por perto?
— Fugia a correr.
— E se estivesse paralisado pelo medo?
Aí, o outro elemento, já farto das questões, diz:
– Afinal, és meu amigo ou amigo da onça?
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