Portugal desperdiça todos os anos cerca de 180 milhões de metros cúbicos de água potável. É uma realidade tão silenciosa quanto escandalosa. Esta quantidade absurda de água, que se perde em condutas velhas, reservatórios degradados e sistemas ineficientes, daria para abastecer o país inteiro durante três meses. Em termos mais visuais? São 12 piscinas olímpicas desperdiçadas… por hora.
Num país cada vez mais assolado por secas, com chuvas irregulares e previsões climáticas pouco animadoras, continuamos a deixar escorrer entre os dedos um dos bens mais preciosos que temos: a água.
Água que captamos, tratamos e… deixamos escapar
“É aquela água que estou a captar, a tratar, a bombar para o reservatório e a mandar para a casa das pessoas e que se perde”, lamenta Eduardo Marques, presidente da Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA), em entrevista à agência Lusa.
Segundo os dados disponíveis, as perdas médias nas redes públicas rondam os 27%. Ou seja, mais de um quarto da água preparada para consumo não chega, efetivamente, ao destino. Perde-se em tubagens obsoletas, ramais danificados, reservatórios mal mantidos.
O contraste é gritante quando olhamos para as concessões privadas, que servem cerca de 20% da população portuguesa. Ali, as perdas rondam apenas os 13%. Se Portugal inteiro operasse com esta mesma eficiência, pouparíamos 90 milhões de metros cúbicos de água por ano — o suficiente para encher um reservatório com a base de um campo de futebol… e nove quilómetros de altura!
Infraestruturas velhas, investimentos adiados
Um dos grandes entraves está debaixo de terra — literalmente. O país reabilita apenas um oitavo da infraestrutura que devia ser substituída, alerta o presidente da AEPSA. Enquanto as concessões privadas são obrigadas, por contrato, a cumprir prazos de renovação, as entidades públicas arrastam decisões, adiando investimentos que não dão votos.
“São tubos que ninguém vê”, diz Eduardo Marques. “Estão enterrados, não aparecem nas fotografias das inaugurações, não rendem aplausos nem manchetes. Mas são eles que sustentam o futuro.”
O problema não se resolve apenas com barragens e dessalinizadoras
Há quem defenda a construção de mais barragens ou a instalação de dessalinizadoras como soluções para o problema da escassez hídrica. Mas Eduardo Marques lança um alerta importante: “O que podemos poupar nas redes públicas é superior à capacidade da dessalinizadora. E não são precisos grandes investimentos.”
Existe a ideia errada de que só se combate o desperdício com obras faraónicas, quando uma gestão eficiente, com monitorização e manutenção adequadas, pode reduzir perdas no curto prazo e a custos muito mais baixos. Neste contexto, o presidente da AEPSA critica o plano “Água que Une”, proposto pelo Governo, que continua a apostar quase exclusivamente na reabilitação de condutas e no reaproveitamento das águas das ETAR, quando este último “nem sempre é viável”.
Sem água não há vida — nem desenvolvimento
Mais do que uma questão técnica, este é um problema social, ambiental e económico. A água é um recurso vital, escasso e insubstituível. Sem ela, não há agricultura, não há indústria, não há saúde pública, não há futuro.
Por isso, Eduardo Marques defende com veemência a necessidade de abandonar tarifas politizadas, aumentar a concorrência no setor e garantir sistemas verdadeiramente eficientes, tanto no abastecimento urbano como na irrigação agrícola.
“Se não tiver dinheiro, não sou eficiente. E se não for eficiente, estou a gastar mais água, a prejudicar o ambiente e a comprometer o futuro das próximas gerações”, afirma. A lógica é simples: sem investimento, não há eficiência. Sem eficiência, não há sustentabilidade.
A conta chega sempre — mais cedo ou mais tarde
O que está em jogo não é apenas a fatura da água no fim do mês, explica o Postal do Algarve. É o preço que todos vamos pagar por não agirmos a tempo. Com cada vez menos chuva e com um território exposto a fenómenos extremos, como ondas de calor e secas prolongadas, Portugal tem de tomar decisões sérias, urgentes e estruturais. A água é demasiado preciosa para continuar a ser desperdiçada.
Se não formos nós, hoje, a mudar o rumo, seremos nós — ou os nossos filhos — a pagar a conta amanhã.