Em 1757, a cidade do Porto foi palco de uma das mais sangrentas e impactantes revoltas populares da sua história: a Revolta dos Taberneiros. Este motim, que resultou em centenas de feridos e várias condenações à morte, teve como principal instigador o descontentamento gerado pela decisão do Marquês de Pombal de proibir a venda de vinho a retalho, conferindo à recém-criada Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro o monopólio deste comércio. Mas como se desenrolou exatamente este episódio trágico?
O início da revolta
Na manhã de 23 de fevereiro de 1757, Quarta-Feira de Cinzas, uma pequena multidão começou a reunir-se junto ao Campo do Olival, manifestando-se contra os privilégios concedidos à Companhia. Os revoltosos, ainda que em número reduzido, demonstravam grande fervor.
Agitavam flâmulas vermelhas, símbolo da sua insatisfação, enquanto outros ostentavam ramos de oliveira e de carvalho, evocando a resistência e a luta popular. Os gritos de “Viva El-Rei! Viva o Povo! Morra a Companhia!” ecoavam pelas ruas do Porto, marcando o início da insurreição que ficaria conhecida como a Revolta dos Taberneiros.
Da Cordoaria, os manifestantes deslocaram-se pela Rua de São Bento da Vitória e pelas antigas Escadas da Esnoga até ao Largo de São Domingos, onde residia José Fernandes da Silva, conhecido como “o Lisboa”, taberneiro e alfaiate que exercia também as funções de Juiz do Povo.
Os revoltosos pretendiam que ele assumisse a liderança do movimento e subscrevesse formalmente as suas reivindicações, exigindo a revogação da Companhia e a restituição do comércio livre do vinho.
O escalar da tensão
O cortejo, agora cada vez mais numeroso e exaltado, seguiu então até à Rua Chã, onde pretendiam confrontar o Regedor das Justiças. A sua intenção era clara: obter uma resposta oficial sobre a abolição dos privilégios da Companhia.
Contudo, ao chegarem à residência do Regedor, um dos seus criados disparou contra a multidão. Apesar de não ter causado vítimas, este ato inflamou ainda mais os ânimos dos manifestantes, que, furiosos com a falta de resposta das autoridades, começaram a vandalizar as casas dos funcionários do Regedor.
Durante a tarde, a cidade acalmou temporariamente enquanto decorria a tradicional Procissão das Cinzas. No entanto, as repercussões deste confronto estavam longe de terminar. As autoridades, que inicialmente haviam adotado uma postura passiva, decidiram intervir com mão firme após as notícias do motim chegarem a Lisboa.
A retaliação real e o impacto na cidade
Cinco dias depois, D. José I ordenou a abertura de um inquérito rigoroso para apurar responsabilidades. A chegada do emissário real reacendeu a tensão na cidade, resultando numa segunda vaga de protestos. As forças do rei não hesitaram em agir: foram detidas 462 pessoas, das quais 26 foram condenadas à pena de morte (21 homens e 5 mulheres). Entre os condenados, oito conseguiram fugir e uma mulher recebeu o perdão real devido ao facto de estar grávida.
Para restaurar a ordem, o Porto foi ocupado por tropas enviadas do Minho, das Beiras e de Trás-os-Montes. Como castigo adicional, os habitantes foram obrigados a alimentar os soldados e a pagar um imposto especial destinado a cobrir os custos da operação militar. Além disso, houve uma reestruturação na administração da cidade, com mudanças na vereação e no comando militar local.
O monopólio do vinho e o papel do Marquês de Pombal
Apesar da revolta violenta, o objetivo do Marquês de Pombal ao criar a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro era, em teoria, benéfico para o país. Pretendia-se controlar a qualidade do vinho do Porto, uma das principais exportações portuguesas, que havia ganhado ainda mais importância após a assinatura do Tratado de Methuen.
Na época, era comum adulterar o vinho com misturas de baixa qualidade, o que punha em risco a reputação do produto nos mercados internacionais. A Companhia surgiu, assim, como um meio de garantir padrões elevados e consolidar a posição de Portugal no comércio do vinho.
O mito da Árvore da Forca
Com o passar dos anos, a Revolta dos Taberneiros gerou diversas lendas, explica a VortexMag. Uma das mais persistentes afirma que alguns dos revoltosos foram enforcados num ulmeiro situado na Cordoaria, que teria ficado conhecido como a “Árvore da Forca”. No entanto, esta história não corresponde à realidade, pois não há registos de execuções naquela árvore.
O ulmeiro, contudo, existiu de facto. Era um dos muitos que Filipe II mandou plantar no Campo do Olival, substituindo os antigos carvalhos, castanheiros e oliveiras que ali cresciam. Esta árvore resistiu ao tempo durante mais de 370 anos, acabando por morrer de velhice em 1986.
Conclusão
A Revolta dos Taberneiros é um dos episódios mais marcantes da história do Porto, refletindo as tensões entre as autoridades centrais e a população local. Este conflito ilustra o impacto das políticas económicas e fiscais no quotidiano das pessoas e a forma como estas podiam desencadear resistências violentas.
Mais do que um simples protesto contra uma companhia monopolista, a revolta de 1757 foi um grito de revolta contra a interferência do poder régio nos hábitos e modos de vida da cidade. O episódio, embora trágico, é um testemunho da resiliência do povo portuense e do seu papel na defesa dos seus direitos ao longo da história.