Conheça a obra realizada pelo imperador da língua portuguesa, o que fez pela língua e pelas pessoas que se encontravam num contexto desfavorecido, como judeus e índios.
Ao longo da nossa história, que conta com quase 900 anos, várias foram as figuras portuguesas que se notabilizaram em determinadas áreas, construindo uma obra que não só as tornaram num exemplo a seguir como também as eternizou, tornando-as em autênticos símbolos da nação.
Entre esses homens notáveis, encontra-se o padre António Vieira. Quer saber mais sobre este homem que deixou um legado difícil de superar?
Padre António Vieira: o imperador da língua portuguesa
Quem foi o padre António Vieira (1608-1697)?
Nascido em Lisboa, em 1608, ainda era criança quando partiu com a família para o Brasil, tendo apenas 7 anos de idade. O seu pai, que era da baixa nobreza, deslocou-se ao outro lado do Atlântico para assumir o cargo de secretário da Governação.
António Vieira estudou no colégio jesuíta da Baía. Depois, em 1623, entrou para a Companhia de Jesus. Tinha apenas 26 anos quando foi ordenado padre, em 1634.
O dom
O padre António Vieira falava de uma forma distinta, sabendo adaptar o seu discurso à sua audiência. Sendo um homem de muitos talentos, era inegável que detinha o dom da oratória, uma capacidade que fazia com que desse nas vistas, desempenhando um papel importante a persuadir e a espalhar a sua mensagem. Em 1640, perante a ameaça de um ataque holandês na Baía, o padre António Vieira pregou um sermão aguerrido: ‘Pela vitória das nossas armas!’
Reconhecimento
O padre António Vieira era um comunicador, um especialista na arte da comunicação. Ao longo da sua vida, foi sendo reconhecido pelo seu intelecto e pelo seu talento. Em 1641, o padre jesuíta chegou a integrar uma delegação que veio a Portugal manifestar a D. João IV o apoio do Brasil à Restauração.
Os seus sermões em Lisboa revelaram-se um total êxito, apresentando um conteúdo rico que, sendo feito com uma linguagem clara, era enriquecido com metáforas pertinentes que permitiam ilustrar o que ele pretendia comunicar.
Os seus sermões comoveram tanto o rei, que este nomeou o padre António Vieira pregador da capela real. Bem mais tarde, um dos grandes nomes da história da língua portuguesa, prestou uma merecida homenagem ao padre jesuíta, pois Fernando Pessoa referiu-se ao padre António Vieira como “o imperador da língua portuguesa”.
O padre humano, humanista e humanitário
O padre António Vieira era um homem de causas. Não se ficava pelo discurso polido. Ele foi um acérrimo defensor dos judeus e dos índios. O padre foi missionário, entregando-se a causas que o apaixonavam. O padre, que também era um escritor genial, revelou o seu talento como “agente secreto”.
As missões secretas
D. João IV percebeu que o padre António Vieira tinha uma habilidade incomum. Por isso, recorreu à influência que o padre Vieira exercia sobre o púlpito de forma que o padre pudesse transmitir determinadas mensagens que favoreciam o reino.
A “agenda política” do Rei era passada de forma despercebida, o que permitia ao Padre assumir missões secretas no estrangeiro que, sendo delicadas, eram importantes.
Missões internacionais
O padre António Vieira realizou viagens diplomáticas nos anos de 1646 e 1647, viajando pela Europa. Esteve em França, na Holanda e, também, em Roma. Nesta cidade, a sua missão oficial seria fomentar junto do Papa as condições para o surgimento de uma reconciliação luso-espanhola.
No entanto, na verdade, a intenção seria suscitar em Nápoles o desejo de revolta contra a coroa de Madrid. As suas manobras não conheceram o sucesso pretendido, mas não foram viagens desperdiçadas, pois foi através delas que contactou com as comunidades de judeus portugueses presentes em Rouen (França) e Amesterdão (Holanda).
Em defesa dos judeus
Depois do regresso a Portugal, o padre António Vieira convenceu o rei a terminar com a pena de confisco dos bens por delito de judaísmo. Esta era uma medida aplicada pela Inquisição. Esta medida era aplicada por sistema aos cristãos-novos, Judeus convertidos que eram suspeitos.
Os inquisidores não gostaram nada desta intervenção e nunca mais perdoaram o padre António Vieira. O padre também se tornou o principal impulsionador da Companhia Geral do Comércio do Brasil. Esta Companhia encontrava-se destinada a captar investimentos dos judeus portugueses no estrangeiro.
O padre esteve à beira de ser expulso da sua ordem religiosa, depois de ter manifestado apoio ao rei num litígio que este tinha com os jesuítas. Para evitar a expulsão da sua ordem religiosa, o Padre regressou ao Brasil.
Em defesa dos Índios
No Maranhão, o Padre teve a oportunidade de conviver com os índios. Envolveu-se apaixonadamente nas suas causas, colocando-se ao lado dos índios em disputas com os colonos que os escravizavam.
O famoso ‘Sermão de Santo António aos Peixes’ foi escrito por essa altura. No dia 13 de junho de 1654, dia de Santo António, foi pregado no Maranhão, Brasil. A metáfora que o padre António Vieira usou contra a desumanidade com que os colonos portugueses se encontravam a tratar os índios ficou para a história.
No “Sermão de Santo António aos Peixes”, o padre teve a coragem de escrever “Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros (…) e os grandes comem os pequenos.”
Os colonos exerceram a sua pressão e obrigaram o padre a regressar a Lisboa, decorria o ano de 1661.
Sem proteção
O seu regresso à capital não foi o mais feliz, uma vez que D. João IV, que era seu protetor, tinha morrido em 1657. Já o conde de Castelo Melhor, ministro do novo rei, que era D. Afonso VI, desterrou Vieira quando soube que o Padre jesuíta conspirava a favor do infante D. Pedro.
A Inquisição abriu um processo ao Padre em 1662, acusando-o de ter opiniões heréticas. O livro ‘Quinto Império do Mundo, Esperanças de Portugal’ serviu como pretexto, uma vez que nele o Padre anunciava a ressurreição de D. João IV.
O fim
O padre António Vieira acabou por ser proibido de pregar, tendo sido condenado a prisão numa das casas dos jesuítas. Em 1667, foi salvo na sequência do golpe de Estado de D. Pedro, que destronou o irmão.
O padre António Vieira partiu então para Roma, onde sabia que seria bem recebido, uma vez que os seus sermões tinham encantado o Papa. Já em Itália, logo tratou de estreitar relações com os judeus. O padre António Vieira não esqueceu os seus valores e convicções e escreveu contra a Inquisição.
Antes de regressar a Portugal, conseguiu obter um salvo-conduto de Clemente X que impedia os inquisidores portugueses de o incomodarem. Ele tinha 67 anos quando regressou a Lisboa em 1675. Até aquele momento a proteção papal revelou-se de valor inestimável. Depois, o Santo Ofício usufruía dos favores do regente (futuro D. Pedro II).
O Padre, magoado, tratou da publicação dos seus sermões e regressou ao país que o acolheu do outro lado do Atlântico, o Brasil. Por lá, o padre António Vieira ainda se deixou envolver na política local, tendo defendido a abolição da escravatura dos Índios com a sua sagacidade natural.
Até ao momento da sua morte, concentrou-se na escrita profética. O padre António Vieira morreu com quase 90 anos, a 17 de junho de 1697, na Baía.