Ferreira Fernandes é o autor de uma obra que merece a atenção dos portugueses. O jornalista é o autor de um livro marcante que nos permite compreender melhor como era Portugal dias antes de ocorrer a emblemática Revolução de 25 de abril de 1974.
Na sua obra “Lembro-me Que”, podemos encontrar um retrato perfeito do país. Este livro apresenta-nos assim o estado de uma nação através de uma viagem que revela momentos importantes que ocorreram entre 1 de janeiro e 25 de abril de 1974…
Os dias que antecederam o 25 de Abril ajudam a contextualizar o que era o nosso país antes do importante evento.
Os últimos dias antes do 25 de abril de 1974
«O conceito deste livro, Ferreira Fernandes foi buscá-lo a Georges Perec (Je me Souviens, 1978), que já o tinha colhido do americano Joe Brainard. A ideia é recuperar o passado através de flashes, pequenos fragmentos de prosa acesos por uma invocação (Lembro-me Que…) – ao mesmo tempo um trabalho da memória e um “exercício poético”. Recorrendo a este mecanismo narrativo, Ferreira Fernandes não enveredou pelas reminiscências pessoais (como Brainard) nem pelas impalpáveis nostalgias quotidianas (como Perec). O objetivo era outro: “Pretendo contar uma bela data de Portugal, o 25 de Abril de 1974, lembrando pequenos e menos pequenos instantes que imediatamente a antecederam.” Ou seja, episódios ocorridos num período de quase quatro meses, entre 1 de janeiro e o “grande dia”. Lembro-me Que mostra-nos como era Portugal em vésperas da grande mudança.»
José Mário Silva, Expresso
Lembro-me Que…
… no dia 31 de março, o Estádio José Alvalade encheu-se para o jogo contra o grande rival (Benfica). Houve ovação a Marcelo Caetano durante 10 minutos, antes de o árbitro apitar. Ele desconhecia ser essa a sua última apoteose.
… José Maria Pedroto abandonou o Vitória de Setúbal, após 5 anos como treinador. O mítico treinador explicou a razão da saída: «A direção do clube quer impor um regulamento antidemocrático. Um jogador, para dar entrevistas, tem de pedir autorização.» (Curiosamente, tantos anos mais tarde, as direções de clubes não necessitam de “não autorizar”. Basta decretarem o blackout.)
… A Lisnave, estaleiro naval frente a Lisboa, aumentou o seu pessoal entre 10% e 20%.
… Raymond Burr vivia nos Açores. O ator americano que ficou célebre por interpretar um advogado na série Perry Mason cultivava orquídeas neste local para exportação.
… O sistema eletrónico de pontuações [do Festival da Canção de 1974] avariou-se. Por isso, Glória de Matos teve de subir a um banquinho e escrever os pontos a giz.
… A duquesa do Cadaval, Claudine, foi considerada uma das «24 personagens mundiais mais elegantes» em Nova Iorque. A parisiense era casada com um descendente de Nuno Álvares Pereira.
… O Teatro Maria Vitória levava à cena a revista Ver, Ouvir e… Calar! Esta peça contava com um elenco de luxo, nomeadamente: Salvador, Ivone, Henrique Santana. Curiosamente, semanas mais tarde, mudariam algumas rábulas e, sobretudo, o título. A peça passou a ser: Ver, Ouvir e… Falar!
… As chamadas telefónicas locais portuguesas eram ($70) as mais baratas da Europa e as mais caras eram as alemãs (2$97).
… O Diário Popular lançou o alerta: «Barbeiros: uma classe em vias de extinção?» Em Lisboa, tinham fechado 250 barbearias. A moda dos «guedelhudos» foi uma razão apontada para essa realidade.
… Havia 26 cinemas na capital portuguesa. Na época, nem um terço dos filmes que passavam eram americanos.
… Os produtos alimentares subiram 17 por cento num ano.
… A Associação dos Médicos Católicos Portugueses promoveu umas jornadas sobre «Sociedade Moderna e População». A conclusão foi: «A contraceção é um crime contra a humanidade.»
… Os postos gasolineiros fechavam aos fins de semana.
… Valadão Chagas, que era o secretário de Estado do Desporto, anunciou que, a não haveria campos pelados na Primeira Divisão (atualmente, Liga Zon Sagres) partir de janeiro de 1975.
… Foram inauguradas as duas primeiras máquinas-bilheteiras da CP. Na Estação do Rossio, serviam a Linha de Sintra e eram provenientes da Holanda.
… As revistas do Parque Mayer eram o abono de família dos jornais de Lisboa. Essas revistas eram as principais clientes das páginas de publicidade.
… Na época, toda a gente estava louca com a Bolsa. Por isso, de modo a poder garantir o ritmo frenético das atualizações, a Bolsa passou a abrir só 3 dias por semana.
Desta forma, a compra e a venda de títulos acabou por acontecer na rua: a do Ouro, em Lisboa, e a Sampaio Bruno, no Porto. Nas ruas, havia pregões do género: «É do Sotto Mayor, a quatro e trezentos!»
… Dr. Brito Rebelo era um dos raros especialistas portugueses de informática. Ele realizou o balanço: na capital, havia 12 centros de ensino de «programação computerial»; em Portugal, havia 300 computadores e 500 minicomputadores (o que representava uma subida de 80 por cento em três anos); os bancos, «por prestígio», eram na época os melhores clientes; por serem muito caros, os computadores alugavam-se (tinha o custo de 70 a mil contos mensais).
Também poderá gostar de ler:
- 25 curiosidades sobre o 25 de Abril de 1974
- 40 portugueses de sucesso mundial que honram Portugal
- Aristides de Sousa Mendes: o Schindler português
- Descubra o nome da sua cidade no tempo dos romanos
… O embaixador americano ofereceu a Portugal uma bandeira portuguesa que viajou na Apolo 17 e uma pedra lunar. Curiosamente, muitos anos mais tarde, a pedra seria roubada do Planetário Gulbenkian.
… Um turista sul-africano fez nudismo na piscina do Hotel Polana, em Lourenço Marques (atualmente Maputo). Esse momento gerou indignação, que ficou plasmada em vários jornais nacionais.
… Amália e Eusébio encontraram-se. Os dois símbolos do fado e do futebol (dois elementos importantes da trilogia de «efes», apenas faltava Fátima que, dizia-se, narcotizava a sociedade portuguesa).
Eusébio vivia o fim de carreira, com 32 anos. Ele ainda marcaria dois golos ao Belenenses. Antes do jogo, a fadista foi dar-lhe um beijo. Esse momento foi filmado para o terceiro canal da televisão francesa, um vídeo destinado para o documentário Mon Pays: Le Portugal.