No tempo do imperador Augusto, Lisboa era conhecida como Felicitas Julia Olisipo e destacava-se como um dos principais portos da província da Lusitânia. Apesar de Augusta Emerita (atual Mérida) ser a capital administrativa da província, Olisipo desempenhava um papel essencial como elo entre o comércio marítimo e o interior do território. A cidade prosperava graças à riqueza trazida pelo rio Tejo, que funcionava como uma via crucial para transporte de mercadorias como peixe, vinho e azeite, que abasteciam o vasto mundo romano.
Uma lenda grega na fundação de Olisipo
Diz a lenda que Olisipo foi fundada por Ulisses, o herói grego. Após o término da Guerra de Troia, Ulisses teria navegado pelo Mediterrâneo, atravessado o estreito de Gibraltar e, deslumbrado com a beleza do estuário do Tejo, decidido fundar uma cidade que descrevia como “a mais bela do mundo”.
Embora fascinante, esta história carece de fundamentos históricos e é, provavelmente, apenas um mito. Mais plausível é a ligação ao povo dos sefes, que habitavam a região antes dos lusitanos. Este povo deixou a sua marca na toponímia da região, com o sufixo “ipo” a ser comum em nomes de cidades fundadas por eles, como a antiga Dipo (atual Evoramonte).
O esplendor de Olisipo no império romano
A verdadeira força de Olisipo estava no rio Tejo, que não só a tornava uma cidade economicamente vibrante, mas também um ponto estratégico para o comércio marítimo, afirma a VortexMag. Durante a romanização, a cidade foi profundamente influenciada pelos costumes e infraestruturas romanas.
O imperador Augusto mandou construir um teatro imponente na encosta da colina onde hoje se ergue o Castelo de São Jorge. Com capacidade para cerca de 4000 pessoas, era decorado com fustes e capitéis pintados, sendo um símbolo da cultura romana na cidade. Aqui, peças do período clássico eram exibidas, consolidando Olisipo como um importante centro cultural e social da Lusitânia.
A praça D. Luís I, atualmente integrada na baixa de Lisboa, era então uma pequena baía onde navios ancoravam, facilitando o trânsito de mercadorias e passageiros. Fragmentos arqueológicos recolhidos no leito do Tejo revelam a diversidade das relações comerciais de Olisipo, com navios a chegar de todos os cantos do Mediterrâneo, ao longo de mais de sete séculos.
Além do comércio, Olisipo destacava-se pela indústria de transformação de pescado. Na margem sul do Tejo, funcionavam olarias que produziam ânforas destinadas ao transporte de conservas. Estes produtos eram exportados para abastecer os exércitos romanos estacionados em regiões como a Britânia e a Germânia Inferior, estabelecendo a cidade como um ponto essencial da rota atlântica.
A queda e o renascimento de Olisipo
Com o passar dos séculos, Olisipo enfrentou transformações significativas, tendo sido governada por diversos povos até à sua conquista definitiva pelos portugueses.
No entanto, o grande terramoto de 1755 destruiu quase todos os vestígios romanos da cidade. Os poucos edifícios que resistiram acabaram por ser eliminados em nome da expansão e do desenvolvimento urbano.
Apesar disso, alguns vestígios foram redescobertos, como as ruínas do teatro romano, reveladas no século XVIII durante a reconstrução de Lisboa e exploradas mais detalhadamente a partir da década de 1960. Estas descobertas permitiram recuperar fragmentos da história da antiga Felicitas Julia Olisipo e compreender melhor o papel da cidade no contexto do império romano.
Um legado que perdura
Hoje, poucos vestígios do passado romano de Lisboa subsistem, mas a importância de Olisipo como um dos portos mais relevantes da Península Ibérica na época romana não deve ser subestimada.
A preservação dos restos arqueológicos e a revalorização da sua história são fundamentais para honrar o legado de uma cidade que já foi um dos pilares do comércio e da cultura no império de Roma.
Com um passado tão rico e multifacetado, Olisipo continua a viver através da memória, desafiando-nos a imaginar como terá sido o esplendor de uma cidade que moldou o destino de Lisboa tal como a conhecemos hoje.