A história de Portugal está repleta de episódios intrigantes, mas poucos são tão curiosos quanto o caso de D. João IV, o rei que restaurou a independência do país após 60 anos de domínio espanhol e que, de forma insólita, foi condenado à morte… após já ter falecido. Este episódio insólito revela os desafios políticos, religiosos e sociais que marcaram o seu reinado.
A ascensão ao trono: um rei relutante
Nascido a 19 de março de 1604, em Vila Viçosa, D. João IV era filho de D. Teodósio II, o 7º Duque de Bragança, e de D. Ana de Velasco. Desde cedo, o destino o posicionava para um papel de destaque, mas foi só em 1640 que a sua vida mudou drasticamente.
Até então, D. João, Duque de Bragança desde 1630, mostrava hesitação em liderar uma revolta contra a coroa espanhola. No entanto, sob pressão de um grupo de conspiradores, aceitou o desafio de liderar Portugal rumo à independência.
A 1 de dezembro de 1640, os conjurados tomaram Lisboa e proclamaram D. João como rei. Quinze dias depois, ele era aclamado oficialmente como D. João IV, inaugurando a Dinastia de Bragança, que seria a última da monarquia portuguesa.
Restauração da independência: política e diplomacia
A restauração trouxe consigo o desafio de consolidar o poder e proteger o reino das inevitáveis represálias espanholas. Para isso, D. João IV buscou aliados internacionais.
Conseguiu apoio de Inglaterra e França, mas encontrou resistência por parte dos Países Baixos, então rivais dos portugueses no Brasil e na Ásia. A Igreja Católica, fortemente influenciada pela Espanha, também negou-lhe apoio, o que agravou as tensões.
Mesmo com todas as adversidades, D. João IV liderou com sucesso a defesa do território português, repelindo as invasões de Filipe IV e garantindo a soberania nacional. Este feito consolidou o seu lugar na história como “O Restaurador”.
A vingança póstuma da Igreja
A morte de D. João IV, a 6 de novembro de 1656, parecia marcar o fim de uma era de conflitos. No entanto, o episódio mais caricato da sua vida ocorreu já após o seu falecimento. Durante o funeral, realizado no Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa, delegados da Inquisição interromperam a cerimónia.
Com autoridade inquestionável, ordenaram que o cadáver fosse retirado do caixão, despido dos seus trajes reais, incluindo o hábito de São Francisco e o manto da Ordem de Cristo.
Foi então lido um acórdão que excomungava D. João IV, declarando-o inimigo da Igreja e condenando-o à morte simbólica e eterna no fogo do inferno. Esta ação foi uma represália clara da Igreja, que nunca perdoou o rei por ter desafiado o seu poder ao priorizar a independência de Portugal.
Um mecenas das artes e da cultura
Além de político astuto, D. João IV foi um patrono das artes. Sob o seu reinado, floresceu a música erudita em Portugal. Fundou uma escola de música em Vila Viçosa, que formou músicos para toda a Europa, com especial destaque para Itália.
Também foi um compositor talentoso, sendo-lhe atribuída a autoria do hino natalício “Adeste Fideles”, cujos manuscritos foram encontrados no Palácio de Vila Viçosa. Esta obra, mundialmente conhecida, continua a ser interpretada por grandes nomes da ópera, como Luciano Pavarotti e Andrea Bocelli.
Além disso, conforme refere a VortexMag, D. João IV possuía uma das maiores bibliotecas do mundo à época, demonstrando a sua paixão pelo saber e pela cultura.
Um legado imortal
D. João IV dedicou a sua vida à consolidação de Portugal como uma nação independente e culturalmente rica. Apesar das adversidades e da singularidade do episódio da sua condenação póstuma, o seu legado é intemporal. Foi mais do que um restaurador político; foi um visionário que deixou uma marca indelével nas artes, na diplomacia e na identidade nacional.
Este episódio insólito serve como um lembrete da complexidade histórica do país e da tenacidade de um rei que ousou desafiar o impossível.