A tragédia que abalou Lisboa com o acidente do Elevador da Glória continua a ser alvo de intensa investigação. O que era para ser apenas mais uma viagem entre a Praça dos Restauradores e o Bairro Alto transformou-se, na passada quarta-feira, num cenário de horror que ceifou 16 vidas e deixou cinco pessoas em estado grave. A cidade, o país e até a comunidade internacional vivem agora um tempo de dor e de procura de respostas.
O papel da ciência forense na identificação das vítimas
Em entrevista à SIC Notícias, Paulo Vieira Pinto, especialista em Ciências Forenses, explicou que o processo de apuramento da verdade passa, antes de mais, pela identificação das vítimas.
“Este tipo de situações exige uma análise técnico-científica rigorosa”, afirmou, sublinhando que, devido ao facto de estarem envolvidas pessoas de mais de dez nacionalidades, os protocolos de cooperação internacional foram ativados de imediato.
A urgência é clara: não apenas por motivos legais, mas sobretudo pelo dever moral de devolver a dignidade às famílias enlutadas.
Como lembrou o especialista, “nas próximas horas poderemos ter a identificação completa das vítimas”, permitindo que os familiares possam iniciar o doloroso processo de despedida.
A investigação às causas: um cabo que não resistiu
Outra frente essencial da investigação prende-se com a análise das causas do acidente. A ciência forense e a engenharia mecânica unem-se agora na tarefa de compreender como um equipamento que há mais de 140 anos faz parte da vida lisboeta pôde falhar de forma tão trágica.
Segundo o perito, “sabemos que o elevador funciona através de um cabo, que garante o movimento pendular.
Pelas imagens, tudo indica que esse cabo terá rompido logo no início da descida”. Este detalhe é crucial, pois aponta para uma falha estrutural no elemento vital do sistema.
Paulo Vieira Pinto alertou ainda que o desastre poderia ter tido proporções ainda mais catastróficas: “Se a rutura tivesse ocorrido no momento em que os dois ascensores se cruzam, o número de vítimas poderia ter sido muito maior do que o que já lamentamos”.
Património histórico sob pressão
O Elevador da Glória, inaugurado em 1885, é muito mais do que um simples meio de transporte: é um ícone cultural e turístico, classificado como Monumento Nacional. Transporta diariamente centenas de passageiros, entre residentes, trabalhadores e turistas, que encontram neste percurso uma forma prática e, ao mesmo tempo, encantadora de subir uma das encostas mais íngremes da capital.
Contudo, o peso da história levanta novas questões: será que a manutenção realizada é suficiente para as exigências atuais?
O especialista deixou no ar uma reflexão preocupante: “Mesmo que as inspeções e planos de manutenção estejam a ser cumpridos, é legítimo questionar se correspondem à intensidade de utilização e ao número de passageiros que o elevador transporta todos os dias.”
Luto que atravessa fronteiras
O Governo decretou um dia de luto nacional e a Câmara Municipal de Lisboa, sob a liderança de Carlos Moedas, declarou três dias de luto municipal, durante os quais as bandeiras da cidade foram colocadas a meia-haste.
A dor não é apenas portuguesa. Entre as vítimas estão cidadãos estrangeiros, o que trouxe ao caso uma dimensão internacional.
Embaixadas e consulados acompanham o processo de identificação e repatriação, enquanto famílias em vários pontos do mundo aguardam, com angústia, notícias definitivas.
Lisboa, habitualmente celebrada pela sua luz e alegria, é agora palco de vigílias, flores e velas que transformam a zona da Glória num espaço de silêncio e respeito.
A memória de uma cidade ferida
Este acidente deixa não só um rasto de dor, mas também um alerta profundo sobre o equilíbrio entre património histórico e segurança moderna.
A cidade, habituada a ver no Elevador da Glória uma peça viva da sua identidade, vê-se obrigada a refletir sobre o preço da preservação quando vidas humanas estão em causa.
Enquanto a investigação prossegue, resta o peso da incerteza e a promessa de respostas. Uma verdade, porém, já é inescapável: este episódio ficará gravado na história de Lisboa como um dos mais sombrios e dolorosos da sua memória recente.
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