A Europa prepara-se para um inverno potencialmente desafiante. A nova estirpe da gripe — identificada como subtipo H3N2 K — está a circular com intensidade crescente e a gerar preocupação entre autoridades de saúde de vários países. A variante já provocou um aumento inesperado e precoce de casos, sobretudo entre idosos e crianças, grupos particularmente vulneráveis. Em Portugal, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, deixou um aviso claro: “O inverno vai ser muito duro”, confirmando que os planos de contingência hospitalar entraram em ação mais cedo do que o habitual.
Entre os especialistas que acompanham este fenómeno, Bernardo Gomes, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, explica o que distingue esta estirpe e qual deve ser a resposta da população nas próximas semanas. À Executive Digest, resume a estratégia em três palavras que funcionam como bússola para o inverno que se aproxima: “Vacinar, cuidar, ventilar.”
Uma estirpe nova, sem memória imunitária
A principal fonte de inquietação é simples e simultaneamente preocupante: a população não tem memória imunitária para esta variante. Tal como sublinha Bernardo Gomes, trata-se de uma estirpe “nova”, o que significa que o organismo humano não a reconhece nem está preparado para a travar rapidamente.
Apesar de pertencer ao subtipo H3N2, historicamente associado a quadros mais severos, esta versão apresenta alterações estruturais que a distinguem das anteriores. E, crucialmente, a vacina desta época não foi desenhada especificamente para ela, o que pode favorecer uma disseminação inicial mais rápida.
O especialista relembra ainda que o subtipo H3N2 quase não circulou nas últimas épocas gripais, o que deixou a população mais exposta e sem reforço natural de anticorpos. Isto aumenta o risco não apenas de infeção, mas também de complicações, sobretudo entre pessoas mais velhas, crianças e doentes crónicos.
Incerteza nas previsões e influência do clima
Apesar das preocupações, Bernardo Gomes afasta cenários apocalípticos. Fazer previsões sobre a gripe, afirma, é sempre “um exercício de futurologia arriscado”.
O comportamento da doença depende de múltiplos fatores que interagem entre si:
- Tipo de estirpes em circulação
- Comportamentos sociais e níveis de precaução
- Condições meteorológicas
Se o inverno for mais quente, lembra, a capacidade de disseminação do vírus diminui. Mas se o frio se intensificar e as pessoas se concentrarem mais tempo em espaços fechados, o cenário pode tornar-se mais desafiante. Por isso, o especialista insiste: não há espaço para alarmismo, mas há espaço para prudência.
Três passos essenciais: vacinar, cuidar e ventilar
Bernardo Gomes resume a estratégia de proteção num triplo gesto extremamente simples, mas altamente eficaz.
1. Vacinar
A vacinação continua a ser a melhor forma de reduzir complicações. Segundo o especialista, ainda há tempo para quem não se vacinou o fazer, protegendo-se não apenas da gripe, mas também de eventos cardiovasculares associados à infeção.
2. Cuidar
Envolve comportamentos responsáveis que protegem não só quem está doente, mas também quem os rodeia:
- Evitar contactos próximos com pessoas infetadas
- Proteger terceiros quando se está doente
- Utilizar máscara em situações de maior risco
- Adotar períodos curtos de evicção social quando surgem sintomas
“Pequenas atitudes durante um curto período podem fazer toda a diferença”, sublinha o especialista.
3. Ventilar
A ventilação continua a ser uma ferramenta fundamental — e muitas vezes subestimada.
“Passar o máximo de tempo cá fora reduz a probabilidade de sermos contagiados. É um facto adquirido”, afirma Bernardo Gomes.
Um sistema de saúde fragilizado agrava o risco
A gravidade do impacto de uma época gripal não depende apenas do vírus. Depende também — e muito — da capacidade de resposta do sistema de saúde.
Segundo Bernardo Gomes, existem fragilidades assinaláveis, sobretudo nos hospitais da região de Lisboa e Vale do Tejo, onde urgências e internamentos enfrentam limitações conhecidas. Por isso, os alertas do Governo devem ser vistos como uma preparação necessária e não como motivo para pânico. Nas palavras do especialista: “Prefiro dizer: ‘mobilizem-se’.”
Crianças e avós: a importância das “bolhas familiares” vacinadas
Um dos aspetos mais enfatizados é a relevância da vacinação infantil, explica o Postal. A Direção-Geral da Saúde, recorda o especialista, tomou “uma atitude corajosa” ao recomendar a vacinação das crianças mais pequenas.
As crianças funcionam como amplificadores naturais do vírus dentro das famílias: são rápidas a contrair, rápidas a transmitir e, muitas vezes, assintomáticas.
Os avós — mais vulneráveis — tendem a ser os primeiros a sofrer as consequências.
Criar “bolhas familiares” vacinadas reduz profundamente o risco de complicações graves e interrompe cadeias de transmissão dentro das casas.
Natal e Ano Novo: época de encontros… e de circulação viral
Com a aproximação das festividades de inverno, o risco aumenta significativamente.
“Trocamos cromos infeciosos”, afirma Bernardo Gomes, num retrato claro da forma como os encontros sociais de dezembro e janeiro aceleram a circulação de vírus respiratórios.
Apesar da rápida expansão do subtipo H3N2 K — já dominante no Canadá e em crescimento contínuo na Europa — o especialista mantém o tom firme: “O alarme não serve de muito. Prefiro o alerta e a prudência.”




