É bastante comum ouvir dizer que Salazar teve um papel importante que permitiu garantir a neutralidade na II Guerra Mundial. Terá sido mesmo assim?
A expressão fake news (“notícias falsas”, em português) tornou-se muito popular, especialmente na política. O conceito fake news significa notícias fabricadas. Este conceito espelha informações que não têm por base a realidade, como é desejável, embora sejam apresentadas como estando factualmente corretas, quando são falsas.
Atualmente, existe o drama das fake news. No entanto, as “notícias falsas”, inverdades e mitos também ocorreram no passado. A população chegou a ser “alimentada” com falsos conhecimentos.
Foram passadas para a população ideias erradas como se fossem factos, informações verdadeiras. Os efeitos destas mentiras eram ainda mais devastadores no passado, quando havia pouco espírito crítico e poucas pessoas sabiam ler e escrever.
Conheça as grandes mentiras que ficaram para a História de Portugal
A frase “se todos aceitam a mentira, a mentira entra na história e torna-se verdade” (1984 – George Orwell) ensina-nos a não aceitar a mentira. Se o fizermos, os efeitos serão muito negativos.
As mentiras, quando são frequentemente repetidas, assumem um caráter pernicioso e são tidas pela população como verdadeiras. O pensamento do melhor cronista da cultura inglesa do século XX ensina-nos que não devemos aceitar a mentira, caso contrário ela torna-se verdade.
Não queremos acreditar numa mentira, pois não? Existem grandes mentiras que passaram como sendo verdade e que acabaram por ficar inseridas na cultura popular (por vezes, até tiveram espaço em manuais da especialidade) como momentos da História do nosso país.
É comum dizer-se e ouvir-se que o facto de Portugal ter mantido uma posição neutra na Segunda Guerra Mundial foi mérito de Salazar. Terá sido o talento político do ditador a estar na origem dessa posição portuguesa? E será que Portugal foi verdadeiramente um país neutro?
Salazar garantiu a neutralidade na II Guerra
António de Oliveira Salazar (1889 -1970) tornou-se numa figura de grande poder. Este homem foi ministro das Finanças de 1928 a 1932, Primeiro-ministro de Portugal (entre 1932 e 1968) e, pelo meio, ainda foi Presidente da República Portuguesa interino (em 1951).
Salazar foi um aliado importante para Franco durante a Guerra Civil Espanhola de 1936-1939. Contudo, neste último ano, iniciou-se a II Guerra Mundial. Este conflito militar global prolongou-se entre 1939 e 1945.
Salazar tinha todo o interesse em evitar que o ditador espanhol entrasse no conflito mundial. O contrato assinado com Francisco Franco, o Pacto Ibérico, tornava-o vulnerável. Se Franco entrasse na II Guerra Mundial, ficaria do lado da Alemanha de Hitler, uma posição que acabaria por arrastar Portugal consigo, ficando o nosso país desprotegido e impotente.
Poderia haver ocupação por tropas nazis (ou da Espanha franquista no seu nome), como ficaria vulnerável ao possível desembarque dos ingleses, tal como acontecera no passado, aquando das Guerras Napoleónicas. Cerca de 130 anos contados a partir da data do conflito global.
Caso Espanha entrasse no conflito, o território nacional iria transformar-se num teatro de guerra. O Estado Novo iria ficar entalado entre a espada e a parede, ora optava pela fidelidade à aliança britânica, ora mantinha os compromissos com as jovens ditaduras, com as quais havia partilhado afinidades ideológicas e com quem mantinha interesses de sobrevivência.
Portugal encontrava-se assim, em 1940, no que se pode chamar de um dilema de fidelidades. Sabia que a França já tinha sido invadida pela Wehrmacht. Salazar também tinha conhecimento de que a Inglaterra se encontrava a combater, sozinha, a poderosa Alemanha de Adolf Hitler.
O Ditador alemão ainda chegou a tentar convencer Franco a aderir ao Eixo Roma-Berlim e pensou atravessar com os seus Panzers o território espanhol para atacar Gibraltar por terra. Essa intervenção militar implicaria a ocupação de Portugal.
Nesse momento, a Inglaterra não se encontrava em condições de defender o território luso, caso surgisse uma violação das suas fronteiras terrestres. Os ingleses apenas se limitaram a aconselhar o Governo de Salazar a retirar-se para os Açores, se ocorresse a invasão hitleriana ou franquista.
Os ingleses também não tinham interesse que Portugal entrasse no conflito ao seu lado. Portugal entrou na I Guerra Mundial juntamente com os ingleses, contrariando nessa altura os desejos e interesses de Inglaterra.
No entanto, o nosso país pensava de forma diferente em 1940. Portugal não se sentia impelido para ir para a guerra com a sua “velha aliada”. A prioridade era a defesa das colónias africanas. Ora, Portugal pretendia manter-se numa posição neutra com países que um quarto de século atrás tinham cobiçado as colónias africanas.
Os territórios africanos foram objeto de cobiça, para os britânicos e para os alemães. Salazar sabia que a posição mais sensata para assegurar a sobrevivência do seu regime passava por manter-se neutro, permanecer nas boas graças dos dois lados do conflito, num momento em que o desfecho ainda era incerto.
Mussolini envolveu-se em aventuras guerreiras nos Balcãs, culminando num desaire militar perante a Grécia, o que foi a sorte de Portugal. Eles voltaram para Hitler num cenário bélico de emergência, um acontecimento que permitiu aliviar a pressão na Península Ibérica.
Posteriormente, aconteceram os compromissos militares da Alemanha contra os ingleses, desta feita no Norte de África. Seguiu-se então a desmesurada invasão da URSS, tomada de posição que se transformaria no túmulo do III Reich.
Foi por sorte, por um conjunto de circunstâncias benéficas que se evitou a invasão de Portugal. Apesar de nunca se ter concretizado a invasão, foram tomadas algumas precauções, nomeadamente a instalação de peças de artilharia antiaérea em locais estratégicos, em partes centrais de Lisboa.
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Os Açores como trunfo
Após Portugal Continental ter escapado à invasão, os Açores tornaram-se no elemento mais cobiçado. Esta parte do território nacional foi muito disputada, tal aconteceu no arquipélago, devido à presença no local de bases aeronavais. Por isso, os Açores eram um território de capital importância, quer para ingleses, quer para alemães.
No entanto, apesar do poderio alemão, o país não dispunha de meios para ocupar os Açores. A Alemanha era uma potência sobretudo continental. A Inglaterra, por outro lado, ainda acabou por solicitar a concessão de bases nas ilhas a Salazar.
Primeiro, houve uma rejeição portuguesa, por existir o receio de existirem represálias por parte dos alemães. Os portugueses mantinham um diálogo económico com os alemães, um relacionamento frutuoso, lucrativo.
Foi importante a venda de volfrâmio, por exemplo. Este produto era pago em barras de ouro. Portugal também fornecia o mesmo material aos ingleses, por isso a Inglaterra pretendia exclusividade no volfrâmio e até chegou a ameaçar um boicote económico ao nosso país.
Armindo Monteiro era embaixador (e um anglófilo) que ficou desgostoso. Este português defendia a entrada na guerra ao lado dos britânicos. Contudo, essa ousadia fez com que fosse substituído no cargo.
Armindo Monteiro era visto pelo governo de Churchill como um bom substituto de Salazar. Por isso, até chegou a mover cordelinhos para o depor através de um golpe. No entanto, a alteração de posição de Salazar no que dizia respeito aos Açores fez com que o governo de Churchill recuasse no plano.
Desta forma, Salazar conseguiu manter a neutralidade. Ele apregoava ter conseguido uma neutralidade rigorosa, mas ingleses e alemães eram colaboradores. A neutralidade portuguesa manteve-se durante a primeira parte do conflito, até ao momento da reviravolta na sorte das armas do outono-inverno de 1942-43.
Quando se percebeu que os Aliados iram vencer o conflito, Portugal respondeu favoravelmente aos pedidos de Londres. Por isso, acabou por ser instalada uma base britânica nos Açores. Posteriormente, foram os americanos a fazer o mesmo pedido.
Salazar reagiu da mesma forma. Primeiro, deu uma resposta negativa.
Ele até tolerava a Inglaterra. No entanto, não tinha uma posição favorável sobre os EUA. Salazar desconfiava do papel da América enquanto superpotência, pois temia que ela pudesse apresentar valores de um liberalismo extremo a outras nações. No entanto, apesar dessa visão sobre os EUA, Salazar acabaria por ceder.
O peso das tropas americanas era enorme. Elas tinham sido deslocadas para a Europa, como forma de conter o expansionismo soviético para Ocidente. Contra todas as previsões, Salazar sobreviveu ao contexto delicado.
Salazar encontrou-se a alinhar do lado dos “bons” capitalistas devido à lógica maniqueísta da Guerra Fria. Portugal ficou contra os “maus” comunistas. Franco acabou por ter a mesma sorte que Salazar e conseguiu o mesmo sucesso ao ter de ceder bases aos Aliados. Franco nem sequer teve de encenar um simulacro de eleições legislativas, como aconteceu com Salazar.
Será que houve mesmo mérito de Salazar na manutenção do estatuto de neutralidade? O verdadeiro mérito de Salazar terá sido o esforço por conter a adesão de Franco ao Eixo.
No entanto, é mentira dizer que Salazar teve um papel importante que permitiu garantir a neutralidade na II Guerra Mundial! Se Portugal não entrou no conflito foi porque Hitler acabou por não invadir a Península Ibérica. Posteriormente, foi porque a Inglaterra assim o quis.