Nem todas as livrarias servem para apresentar livros. A Livraria do Mondego não vende livros. Se vendesse, provavelmente seriam sobre a Natureza, exclusivamente. Esta livraria é uma atração natural. Tem este nome devido ao seu aspeto. Por isso, não se trata de uma livraria verdadeira. Trata-se de um geomonumento. A Livraria do Mondego demorou muito tempo para se apresentar com este aspeto. Ela formou-se ao longo de mais de 400 milhões de anos. É devido às altas assentadas de quartzíticos, que se encontram dispostas quase na vertical, que este geomonumento foi designado de Livraria do Mondego. Elas fazem lembrar lombadas de livros arrumados numa estante, como acontece numa livraria comum.
A livraria do Mondego é a biblioteca mais antiga do mundo!
O cenário é deslumbrante. A Livraria do Mondego marca a paisagem das margens do Mondego junto a Penacova. Foi o reputado National Geographic que se referiu à Livraria do Mondego como “a biblioteca mais antiga do mundo”. No artigo do National Geographic, podemos ler que a Livraria do Mondego “guarda páginas do livro da Terra”. Na composição deste geomonumento, é possível identificar vestígios de um areal de praia com 450 milhões de anos. A aparência simétrica das cristas que a Livraria do Mondego apresenta faz os especialistas defenderem que se tenha formado pela ondulação do fluxo e refluxo das marés.
Cada estrato vertical que preenche a vaga de “um livro” da Livraria do Mondego relata um momento de um recuado período da história da Terra, conhecido como Ordovícico, que se iniciou há 488 milhões de anos e que se prolongou por 45 milhões de voltas em torno do Sol.
Os interessados em conhecer mais sobre este geomonumento devem saber que há um percurso interpretativo da Livraria do Mondego. Este percurso com uma extensão de apenas 800 metros enquadra-se no projeto transversal “Rios e Zonas Húmidas”. Esta experiência permite-nos desvendar os mistérios da geologia e da biodiversidade da região.
O percurso interpretativo da Livraria do Mondego constitui um segmento da Grande Rota do Mondego. Ele desenvolve-se na margem esquerda do Rio Mondego (encontrando-se junto ao IP3, em Penacova). Por isso, quem circula de carro no IP3, imediatamente na zona da ponte sobre o rio Mondego, pode ver a Livraria do Mondego. Tem-se acesso direto e privilegiado a este monumento natural a partir da EN2, que é reconhecida como a estrada nacional mais extensa do nosso país e a mais longa da Europa.
A vegetação do troço do rio é rica e diversificada, sendo constituída por várias espécies, nomeadamente: amieiros, choupos, salgueiros, freixos, carvalho-alvarinho, pilriteiro e outras espécies que são um reflexo da influência mediterrânica, tais como o aderno-bastardo e o medronheiro.
Alguns dos primeiros estudos sobre o Ordovícico em Portugal tiveram origem na região do Buçaco. Carlos Ribeiro e Nery Delgado foram pioneiros da geologia portuguesa, ao realizarem estes primeiros trabalhos de cartografia geológica e paleontológicos. Estes investigadores tornaram a Livraria do Mondego referencial para a comparação da sua formação quartzítica. A Livraria do Mondego foi comparada com outras formações presentes no nosso país, desde Esperança, em Arronches, até à serra de Barreiras Brancas, em Bragança.
A Livraria do Mondego revela-se um repositório de conhecimento científico, como qualquer boa biblioteca que se preze. Este geomonumnento continua a ser revisto e ampliado. Após desenhar esplêndidos meandros até ao Porto da Raiva, o Mondego lança-se através da serra do Buçaco, ficando instalado à régua na grande falha geológica que se estende desde Penacova a Verín, na Galiza.
Foi a aerosão do rio Mondego que permitiu o desenvolvimento de sucessivos cabris, desde o Cabeço da Morada à Rebordosa, a jusante de Penacova. A escala dos processos geológicos que se vislumbra do Penedo do Castro ou do mirante Emídio da Silva é impressionante. Há vários destaques que merecem ser conhecidos. A légua linear da garganta do Mondego presente na falha parte em duas a serra do Buçaco.
O Santuário de Mont’Alto que se encontra a 326 metros de altitude marca a magnitude do desvio das cristas quartzíticas pelo movimento da falha. A dobra espantosa, conhecida como Sinclinal de Buçaco, feita em U, estende-se por 38km, entre o Luso e os penedos de Góis, compondo-se os seus flancos das rochas mais antigas.
Fique a conhecer também alguns locais magníficos que merecem a sua visita:
- Vale das Buracas do Casmilo: um lugar único e (quase) secreto no Centro de Portugal
- Portas de Ródão: um local mágico no Centro de Portugal
- Pedra de Alvidrar: local mítico e perigoso em Sintra
Para se poder compreender a formação da Livraria do Mondego, é necessário percorrer todos estes locais, sentir a força do relevo que pormenoriza cada página da história do nosso planeta a partir do percurso pedestre PR5. Em alternativa, pode realizar a meia légua do percurso interpretativo, onde poderá usufruir vista privilegiada para o escaparate geológico.
No Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, podemos encontrar uma página rasgada à Livraria do Mondego. No decurso de umas obras de alargamento realizadas na Estrada Real 48 em 1915, resgatou-se uma “Pedra Curiosa” em pedaços. Trata-se de “uma página” repleta de formas serpentiformes de configuração bilobada e ornamentação em espinha de peixe. Numa parede deste museu, encontra-se embutido o maior dos pedaços resgatados, com cerca de 3 metros.
Este pedaço permaneceu ali à vista de todos, mas ficou esquecido pela ciência. No entanto, recentemente, a “Pedra Curiosa” e os seus icnofósseis de trilobites receberam finalmente o estudo que mereciam. O seu estudo foi coordenado pelo paleontólogo Ricardo Paredes. Por isso, a escrita paleobiológica da “Pedra Curiosa” pode ter assim o desejado virar de página na Livraria do Mondego, o que representa uma valorização do património geológico presente no local.