Desativada há mais de 3 décadas, foi a primeira ponte ferroviária do Douro. A inauguração da Ponte D. Maria Pia tem uma história caricata e inusitada que merece ser conhecida.
Na segunda metade do século XIX, já existia a estação ferroviária das Devesas. Porém, para chegar ao Porto, era necessário atravessar, posteriormente, a ponte pênsil. Para criar uma alternativa, que ligasse de forma mais rápida e direta a estação à cidade Invicta, foram consideradas diferentes hipóteses.
A ideia base era construir uma ponte que atravessasse o rio Douro e ligasse as Devesas ao Porto. E, assim, nasceu a Ponte D. Maria Pia. Perceba melhor como tudo funcionou.
A caricata e insólita inauguração da Ponte D. Maria Pia no Porto
O caricato momento que ficou para a História
O momento de uma inauguração é sempre especial. Era, por isso, expectável que fosse a família real a realizar a primeira travessia desta ponte. Porém, inesperadamente, foi uma mulher que ousou colocar o seu nome na história da ponte.
Quando a carruagem dos monarcas se preparava para começar a percorrer a ponte, Adelaide Lopes antecipou-se e decidiu fazer ela própria o percurso. Esta corajosa mulher era esposa do engenheiro-chefe da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, Pedro Inácio Lopes.
Momento de coragem
Ela decidiu ser a primeira pessoa, não relacionada com a construção, a percorrer toda a ponte. Depois de se afastar do seu marido e da comitiva que aguardava a família real (que se encontrava do lado do Porto), ela subitamente focou-se no seu objetivo e com um passo firme e ligeiro cumpriu todo o caminho.
Assim, ela fez o percurso de Gaia até ao Porto, percorrendo toda a extensão da ponte, seguindo pela passadeira lateral de manutenção. Ela correu riscos, fazendo o percurso em equilibrismo, como se dominasse a arte circense.
A mulher, equilibrando-se sobre a travessa central que ainda nem sequer tinha guarda, colocou o seu nome na história de um dos momentos mais emblemáticos da cidade Invicta.
O seu gesto de rebeldia, tão inusitado quanto encantador, terá sido motivado por uma aposta realizada com as suas amigas.
Adelaide Lopes, uma mulher destemida que fez história
A irreverência desta mulher fez com que protagonizasse um episódio curioso e interessante. Germano Silva dá o devido protagonismo a D. Adelaide Lopes, na obra “Porto Desconhecido e Insólito”, onde revela:
“… foi D. Adelaide Lopes quem inaugurou a ponte porque a percorreu, a pé, e com essa intenção desde o lado de Gaia até à margem oposta, ainda antes de a família real o fazer de comboio”.
Germano Silva, o autor do livro, revela que a ação foi bastante audaz, pois a ponte não se encontrava integralmente concluída. Por isso, Germano Silva, mais do que destacar a inesperada travessia, revela a audácia da mulher:
“(…) nada a demoveu de prosseguir os seus intentos. Nem mesmo o vento forte que naquela altura se fazia sentir e que fazia baloiçar perigosamente o comprido vestido que envergava, a motivaram a desistir (…).”
Os perigos
Na obra “Porto Desconhecido e Insólito”, Germano Silva destaca ainda os perigos desta travessia, pois D. Adelaide Lopes correu riscos.
Germano Silva refere:
“Ora, sensivelmente a partir do meio do tabuleiro, deixava de haver (na ponte) as passadeiras laterais sobre as quais se podia andar comodamente e em segurança. Havia apenas umas compridas barras de ferro por onde só se aventuravam os mais exímios e corajosos operários. D. Adelaide Lopes nem aí teve o mais leve indício de temor que a levasse a voltar atrás.”
A primeira pessoa a atravessar a ponte
O acontecimento não serviu para interromper o momento de festividade. A inauguração ainda teve direito a fogo de artifício, lançado da Serra do Pilar. Certo é que D. Adelaide tornou-se na primeira pessoa a atravessar a ponte (das que não estavam relacionadas com a construção, claro).
A história da Ponte D. Maria Pia: tudo o que há para saber sobre esta construção
Após várias propostas e estudos, muitos dos quais aprovados, mas com pouca viabilidade, eis que o engenheiro-chefe da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, Pedro Inácio Lopes, propõe um traçado que fazia coincidir o término da linha do Norte com as linhas do Minho e do Douro, levou.
Assim, foi planeada a construção de uma ponte à quota alta e mais a jusante. Tratou-se do traçado do Seminário, que atravessava o rio entre Quebrantões e o monte do antigo seminário diocesano.
A obra foi acompanhada pelo engenheiro Pedro Inácio Lopes e pelo diretor-geral da Companhia, Manuel Afonso Espregueira.
O porquê da escolha deste traçado?
Além de viável, este traçado possuía diversas vantagens, a saber:
- Era um trajeto curto;
- Possuía poucas inclinações;
- Permitia a ligação direta entre a linha do Sul com e as do norte na chamada estação do Pinheiro, atual Estação de Campanhã.
A construção da ponte
O concurso para a construção da ponte foi ganho por Eiffel & Cie. que começou a empreitada em janeiro de 1876. A autoria da ponte é, no entanto, uma questão algo polémica, já que muitos defendem que Eiffel não terá tratado desta construção, mas sim o seu sócio Théophile Seyrig e Henri de Dion (responsável pelos cálculos).
A ponte apresenta várias soluções técnicas, à época originais. Tem 354 metros de extensão e está a 62 metros acima do nível do rio. O seu tabuleiro é suportado por um arco de 160 metros de vão que, nessa altura, era o maior do mundo.
À medida que a ponte era erguida, refletia-se sobre o nome que iria ter. Porém, foi já no dia da inauguração, a 3 de novembro de 1877, que a comissão associada à obra pediu a Maria Pia de Sabóia, rainha-consorte de D. Luís I, que permitisse que a nova ponte tivesse o seu nome, pedido que a rainha aceitou.
Constrangimentos
O baixo investimento na construção desta ponte fez com que esta ponte tivesse as suas limitações, como ter apenas uma via ou possuir uma estrutura muito leve. Ao fim de 20 anos de existência, a ponte já apresentava problemas.
No início do século XX, foi necessário reforçar a estrutura e eliminar as juntas dos carris, soldando-os. Assim, os comboios puderam passar a circular a 20km/h, em vez de apenas 10km/h, como acontecia à data.
Ainda assim, ao longo do século XX, foi-se pensando numa alternativa, uma segunda ligação ferroviária entre Porto e Gaia, com via dupla e mista, ou seja, que servisse carros e comboios e fosse feita em betão.
Paralelamente, em 1982, a ponte D. Maria Pia foi reconhecida como monumento nacional e, em 1983, abria concurso para a construção de uma nova ponte que substituísse as funções desta, neste caso a ponte São João, da autoria do engenheiro Edgar Cardoso.
A ponte Maria Pia foi, ainda, agraciada pela American Society of Civil Engineers com o título de International Historic Civil Engineering Landmark.
A desativação da ponte D. Maria Pia
A 24 de junho de 1991, foi inaugurada a nova ponte São João, enquanto a ponte D. Maria Pia foi desativada. Desde então, foram já várias as propostas apresentadas para a revitalização da ponte D. Maria Pia, nenhuma das quais ainda posta em prática.
Estará para breve a sua reutilização, mesmo que com novas funções? Os gaienses e portuenses aguardam, ansiosamente, por esse dia!
Curiosidade
Certamente conhece a Real Companhia Velha, certo? Porém, o que talvez não imagine é que a sua sede e local de armazenamento de vinhos corresponde àquilo que iria ser um túnel com cerca de 1000 metros de extensão e que serviria para ligar a Estação das Devesas ao Porto, num dos projetos que foi apresentado inicialmente, antes da proposta do Engenheiro Pedro Inácio Lopes prevalecer.
À época, quando se percebeu que o túnel já não teria utilidade, ele acabou por ser vendido à Real Vinícola.
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Nasci e vivi a 200 mt da ponte, no lado do Porto. Apesar de ser proibido e não ser fácil o acesso de pessoas para entrar na ponte, eu e um pequeno grupo de amigos, todos nós adolescentes nesse tempo, atravessamos a ponte a pé, quando a meio do percurso nela entrou o comboio. Abrigamo-nos num dos abrigos laterais, esses destinados a trabalhadores que na ponte trabalhassem, até o comboio ter passado. Porem, não foi muito agradável sentir a ponte oscilar notoriamente, durante a passagem do comboio, que nos levou a agarrar firmemente ao resguardo da ponte, que se por ventura ela caísse, dela as mãos não a largaríamos! Foi para nós uma emocionante aventura.