Imagine estar a preparar uma simples Story no Facebook e, de repente, surgir um pedido discreto, mas inquietante:
“Permitir que a IA veja as suas fotos?”
Parece inofensivo. Um simples clique para tornar tudo mais fácil. Mas será mesmo só isso?
Na verdade, esta funcionalidade pode abrir a porta a um nível de intrusão digital que muitos não imaginam. O que está em causa não é apenas tecnologia — é privacidade, é identidade, é o seu mundo pessoal.
O que está realmente em teste: a IA da Meta dentro do seu álbum privado
A Meta (empresa-mãe do Facebook, Instagram e WhatsApp) está a testar nos EUA e no Canadá uma funcionalidade controversa: dar acesso direto à inteligência artificial ao rolo da câmara do seu telemóvel.
E o que faz a IA com esse acesso?
- Analisa imagens, mesmo as nunca partilhadas;
- Reconhece rostos, objetos, locais e datas;
- Lê metadados e cria sugestões automáticas de colagens, edições ou memórias personalizadas.
Tudo sem que o utilizador tenha de procurar manualmente. Conveniente, certo? Sim. Mas a que custo?
Um pedido subtil com consequências profundas
A notificação que aparece parece simples e direta. Mas, ao aceitá-la, está a concordar com os “Termos de IA da Meta” — um documento denso, técnico e raramente lido, mas que permite à Meta processar conteúdos visuais privados para múltiplos fins.
Entre os termos escondem-se autorizações como:
- Processamento de imagens armazenadas localmente e na cloud;
- Identificação automática de pessoas e padrões;
- Potencial uso futuro para sistemas de recomendação, e até — embora negado por agora — publicidade personalizada.
E o mais inquietante: a possibilidade de esses termos mudarem a qualquer momento.

A galeria do telemóvel: um espelho íntimo que pode tornar-se público
Pense nisto por um momento. A sua galeria guarda:
- Fotos de família, de crianças, de momentos íntimos;
- Documentos digitalizados, recibos, imagens sensíveis;
- Lugares que frequenta, pessoas com quem se cruza.
Ao permitir que a IA da Meta “veja” essas imagens, está a abrir uma janela que, até agora, estava fechada a quase todos.
Como desativar o acesso da IA às suas fotos (antes que seja tarde)
Se já viu esta funcionalidade no seu Facebook e quer recuperar o controlo, siga estes passos:
- Aceda às Configurações da sua conta de Facebook;
- Vá até Preferências > Sugestões do rolo da câmara;
- Desative os dois interruptores disponíveis:
- Um controla sugestões locais (no próprio dispositivo);
- O outro desativa o envio das fotos para processamento na cloud da Meta.
Esta simples ação impede que as suas fotografias sejam carregadas para os servidores da Meta — e que sejam analisadas por sistemas automáticos sem o seu controlo direto.
Uma mudança silenciosa na forma como os seus dados são usados
A Meta está a fazer isto de forma quase invisível. Sem comunicados de imprensa. Sem campanhas de transparência. Apenas um teste “silencioso” que pode, em breve, chegar a Portugal e ao resto da Europa.
A desculpa é simples: facilitar a criação de conteúdo com o apoio da IA. Mas a realidade é mais inquietante: estamos perante uma nova fase da vigilância digital, onde a conveniência serve de cortina para o acesso total à sua intimidade.
Ainda tem escolha. Mas por quanto tempo?
Neste momento, a funcionalidade é opcional. Mas durante quanto tempo o será? Quantas vezes já aceitou termos de serviço sem ler? Quantas funcionalidades já se tornaram padrão depois de testes semelhantes?
É fundamental refletir:
Será que queremos que uma máquina observe tudo o que registamos com a câmara?
Será que ainda estamos no controlo dos nossos dados?
Estamos conscientes do que estamos a ceder — ou apenas a habituar-nos a ser vigiados?
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