Num momento em que o debate sobre a habitação domina a agenda nacional, o Parlamento português deu um passo decisivo para travar a ocupação ilegal de imóveis. A nova lei, aprovada esta terça-feira, representa um endurecimento das penas aplicáveis e introduz mecanismos mais rápidos para recuperar propriedades invadidas, reforçando assim o direito de propriedade e a autoridade dos tribunais.
A proposta foi apresentada pelo PSD e contou com o apoio do PS, Iniciativa Liberal e CDS, obtendo aprovação em votação final global. O Chega, o Livre e o Bloco de Esquerda votaram contra, enquanto o PAN optou pela abstenção. A nova redação da lei resulta de um entendimento entre PSD e PS, alcançado na semana anterior, depois de o Chega ter ficado de fora do acordo – ironicamente, o mesmo partido que inicialmente propôs rever a legislação.
Uma resposta firme à ocupação ilegal
A proposta agora aprovada define com maior clareza o crime de usurpação de coisa imóvel. Passa a ser punível a conduta de quem “invadir ou ocupar um imóvel alheio com intenção de exercer posse, uso ou qualquer direito não tutelado por lei, sentença ou ato administrativo”.
As penas podem chegar aos dois anos de prisão ou 240 dias de multa, mas o quadro agrava-se se a ocupação for violenta ou incidir sobre uma habitação própria e permanente: nestes casos, a pena máxima sobe para três anos de prisão. Nos cenários em que o agente atue de forma profissional ou com fins lucrativos – casos frequentemente associados a redes organizadas – o limite poderá atingir quatro anos de prisão.
Com estas medidas, o Parlamento procura responder à crescente preocupação pública com o fenómeno das ocupações ilegais, que tem gerado tensões em várias localidades e deixado proprietários num verdadeiro limbo jurídico.
Divergências políticas e equilíbrio constitucional
O Chega tentou incluir na proposta um mecanismo de processo sumário, que permitiria condenações rápidas para ocupantes ilegais, mas a ideia foi rejeitada pelo PSD.
Os sociais-democratas argumentaram que tal solução colocaria em causa princípios constitucionais fundamentais e optaram por um modelo que assegura celeridade processual dentro do quadro penal existente.
O texto final estabelece que “as alterações ao crime de usurpação de coisa imóvel garantem maior efetividade e rapidez na reposição da legalidade”, permitindo ao juiz determinar medidas imediatas.
Ainda assim, por proposta do PS, a norma passou a prever que o juiz “pode impor”, e não “deve impor”, a restituição imediata do imóvel – uma alteração subtil, mas que confere maior margem de decisão consoante as circunstâncias do caso.
Salvaguarda social em habitação pública
Uma das alterações mais significativas introduzidas pelo PS diz respeito à habitação pública. Quando o imóvel ocupado pertença ao parque habitacional do Estado ou das autarquias, as autoridades terão de avaliar as condições socioeconómicas dos ocupantes e, se necessário, acionar respostas sociais ou habitacionais adequadas.
Nestes casos, o Estado poderá prescindir da apresentação de queixa se a desocupação ocorrer de forma voluntária, evitando a criminalização de famílias em situação de vulnerabilidade extrema. A medida procura, assim, equilibrar a defesa da propriedade pública com a proteção de pessoas em risco social.
Reações e tensões no hemiciclo
Após a votação, o vice-presidente da bancada do PSD, Hugo Carneiro, celebrou o acordo com o PS, garantindo que “os okupas têm os dias contados” e sublinhando o “respeito pelos princípios constitucionais” que nortearam a redação final.
Já o Chega, pela voz da deputada Madalena Cordeiro, criticou o PSD por ter negociado com o PS numa matéria que, segundo afirmou, “promove a ocupação ilegal”.
A resposta não tardou: Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada socialista, classificou as declarações como “caluniosas” e recordou que o PS apenas colaborou para garantir equilíbrio e proporcionalidade na lei.
O socialista fez ainda questão de relativizar o fenómeno, afirmando que “a escala do problema não é tão grave como o PSD faz crer”, embora tenha reconhecido a importância de tornar o processo judicial mais rápido e eficaz.
Uma nova era na proteção da propriedade
De acordo com o Postal, a aprovação deste diploma marca uma viragem histórica na política penal portuguesa. Pela primeira vez, a ocupação ilegal de imóveis é tratada com um enquadramento penal mais robusto e com mecanismos de recuperação célere.
Contudo, o diploma também reforça a vertente social, garantindo que ninguém é deixado sem alternativas dignas.
A lei segue agora para promulgação pelo Presidente da República, podendo tornar-se uma das mais debatidas de 2025. Entre o direito à habitação e o direito à propriedade, o Parlamento procurou um novo ponto de equilíbrio – um equilíbrio que promete gerar discussão, mas também trazer respostas mais firmes a um problema que há muito divide opiniões e desafia o Estado de direito.
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