Imagine o cenário: sai do metro depois de um dia de trabalho, o som distante dos carros mistura-se com o eco dos passos apressados, e uma voz interrompe o silêncio — “Tem horas?”
O reflexo é imediato. Puxa do telemóvel, olha para o ecrã e responde. Mas em segundos, algo muda. A tensão no olhar de quem perguntou, a aproximação subtil, o toque rápido, o desaparecimento repentino.
O que parecia um simples pedido de ajuda transforma-se num roubo calculado, feito com precisão e disfarçado de normalidade.
Este tipo de abordagem está a crescer nas cidades portuguesas, e os especialistas alertam: o primeiro passo do assaltante é ganhar a sua atenção.
A técnica que engana até os mais atentos
De acordo com vários peritos em segurança urbana, esta estratégia — conhecida informalmente como “técnica da pergunta” — é uma forma de teste. O assaltante não quer saber as horas nem a direção da rua. Quer avaliar o comportamento.
Em poucos segundos, observa tudo:
- Se a vítima está distraída ou vigilante;
- Se segura um telemóvel caro, uma mala aberta ou um relógio de luxo;
- Se demonstra medo, insegurança ou solidão;
- E se há possibilidade de reação ou testemunhas por perto.
Quando conclui que o alvo é fácil, a ação é imediata. O roubo acontece em menos de 10 segundos — tempo suficiente para que a vítima nem perceba o que aconteceu.
Casos reais em Portugal: o padrão que se repete nas cidades
As autoridades e grupos de vizinhança têm registado um aumento preocupante de relatos em Lisboa, Porto, Setúbal e também em zonas suburbanas.
Em muitos casos, a abordagem começa em locais estratégicos: saídas de metro, paragens de autocarro, passagens subterrâneas ou ruas com pouca iluminação.
- Em Lisboa, vários residentes denunciaram situações em que, após uma pergunta banal, foram empurrados ou cercados por cúmplices.
- No Porto, há registos de furtos rápidos junto a caixas multibanco, onde a vítima era distraída por uma conversa enquanto outra pessoa agia.
- Em Setúbal, a PSP confirmou incidentes semelhantes, alguns protagonizados por grupos organizados que operam em horários de maior movimento.
A técnica é simples, mas o impacto psicológico é profundo: muitas vítimas relatam sentir-se enganadas, expostas e envergonhadas, o que contribui para a subnotificação dos casos.
A psicologia por trás da armadilha
A eficácia desta abordagem não está apenas na rapidez, mas também na natureza social do ser humano.
O cérebro está programado para responder a perguntas automáticas, especialmente quando são feitas de forma cordial. É um reflexo de empatia e confiança — características que, em contexto urbano, podem ser exploradas.
Quando alguém pergunta as horas, o gesto de olhar para o telemóvel ou para o relógio revela mais do que a hora: revela vulnerabilidade, poder económico e, sobretudo, distração.
Além disso, o tom amigável quebra defesas. A ausência de agressividade cria uma falsa sensação de segurança, levando a vítima a baixar a guarda — o momento exato que o agressor espera.
O que fazer para evitar cair na armadilha
Os especialistas em segurança partilham um conjunto de estratégias práticas que podem fazer toda a diferença:
- Mantenha sempre uma postura atenta e confiante.
A linguagem corporal é crucial. Um olhar firme e passos decididos reduzem a perceção de vulnerabilidade. - Responda sem expor objetos.
Se alguém perguntar as horas, evite tirar o telemóvel do bolso. Responda de forma aproximada, como “deve ser perto das sete”. - Afaste-se discretamente.
Se a abordagem parecer insistente, mude de direção ou atravesse a rua. O afastamento físico é o primeiro sinal de controlo. - Evite ruas isoladas e zonas com pouca visibilidade.
Prefira caminhos iluminados e com movimento, especialmente à noite. - Não hesite em pedir ajuda.
Entrar num café, aproximar-se de um grupo ou contactar as autoridades pode evitar uma situação perigosa. - Denuncie sempre, mesmo tentativas.
A PSP e a GNR utilizam estas denúncias para mapear áreas de risco e reforçar patrulhas.
Um alerta que deve ser levado a sério
De acordo com a Leak, as autoridades sublinham que não se trata de criar medo, mas consciência. A maioria destas situações ocorre em segundos, mas a preparação mental pode ser o fator decisivo.
A segurança pessoal começa na atenção ao ambiente e na prevenção de rotinas previsíveis — como usar sempre o mesmo trajeto, mexer no telemóvel em zonas isoladas ou andar com auriculares em volume elevado.
No fundo, trata-se de compreender que a criminalidade urbana evolui e adapta-se à forma como vivemos.
Hoje, um simples “tem horas?” pode ser o início de uma tentativa de assalto. Amanhã, talvez outra pergunta surja. O importante é reconhecer o padrão e agir com prudência.
A reflexão final
Vivemos tempos em que a fronteira entre a normalidade e o perigo é cada vez mais ténue.
O que parece um gesto inofensivo pode ser uma manobra estudada para testar os nossos reflexos e a nossa atenção.
Não é preciso viver em medo, mas sim em consciência.
Porque a diferença entre ser uma vítima e sair ileso pode estar num simples segundo — no tempo que demora a decidir se responde… ou se segue o seu caminho.
Stock images by Depositphotos