Na noite mais especial do ano, quando a família se reúne à mesa e as tradições ganham ainda mais peso, o bacalhau deixa de ser apenas um peixe: torna-se símbolo, memória e herança. A consoada portuguesa vive, em grande parte, da qualidade do bacalhau que chega ao prato. E é precisamente aqui que muitos erros são cometidos — erros silenciosos, mas fatais para o sabor, a textura e a experiência da ceia.
Entre bancas cheias, preços distintos, rótulos pouco claros e conselhos contraditórios, escolher bem o bacalhau pode parecer um desafio. No entanto, há sinais inequívocos que permitem distinguir um bacalhau digno da mesa de Natal de um que apenas “parece bom”.
A verdade é simples: não é o preço que define a qualidade, mas sim a cura, o tamanho, o lombo e o aspeto geral da peça. Conhecer estes detalhes faz toda a diferença entre um bacalhau que se desfaz em lascas perfeitas e outro que seca, parte ou perde sabor.
A cura do bacalhau: onde tudo começa
A cura é o coração do bacalhau. Resulta do processo de salga e secagem, podendo durar semanas ou meses. Quanto mais lenta e cuidada for essa cura, melhor será o resultado final.
Cura amarela (ou cura tradicional longa)
É a mais valorizada e a mais indicada para a consoada. Apresenta uma tonalidade palha ou ligeiramente amarelada, nunca branca em excesso.
Este tom revela uma secagem lenta, que concentra o sabor e preserva a estrutura das fibras.
- Sabor mais intenso
- Lascas firmes e bem definidas
- Melhor resistência à cozedura
É o bacalhau que honra a tradição e que, depois de bem demolhado, se solta em pétalas no prato.
Cura clara (ou cura rápida)
Mais branca e com menor teor de sal, resulta de um processo acelerado. É frequentemente mais barata, mas também menos consistente.
✖ Menor intensidade de sabor
✖ Maior tendência para se desfazer
✖ Textura menos firme
Regra de ouro: um bacalhau demasiado branco raramente é o melhor para a noite de Natal.
O tamanho importa e muito
Na consoada não se improvisa. O bacalhau deve ser graúdo ou extra-graúdo. Peças maiores correspondem a peixes mais velhos, com carne mais espessa e maior teor de gordura natural, essencial para um resultado suculento.
Bacalhau graúdo
- Lombos altos e carnudos
- Melhor separação das lascas
- Menor risco de secar na cozedura
Bacalhau miúdo
- Lombo fino
- Cozedura irregular
- Textura mais seca
Para a ceia, o bacalhau pequeno deve ser evitado. Pode servir para outras receitas, mas não para o prato principal da noite mais importante do ano.
O lombo alto: a escolha segura
Para quem não quer errar, o lombo alto de bacalhau é a opção mais fiável. Trata-se da parte mais nobre do peixe, retirada da zona central, onde a carne é mais espessa e uniforme.
Embora tenha um preço mais elevado, oferece vantagens claras:
- Cozedura homogénea
- Apresentação irrepreensível
- Lascas largas e suculentas
Sempre que possível, confirme que o lombo é de cura amarela, pois há lombos de qualidade inferior no mercado.
O que observar atentamente no balcão
Antes de comprar, vale a pena olhar com atenção — e sem pressas.
- Flexibilidade: a barbatana deve dobrar sem partir. Se estiver demasiado rígida, pode indicar excesso de secura ou má conservação.
- Manchas: evite peças com manchas avermelhadas ou escuras, sinais de defeitos no processo de salga.
- Superfície: uma camada esbranquiçada não é defeito — é sal cristalizado, típico da cura tradicional.
- Cheiro: deve ser suave e limpo, nunca intenso ou desagradável.
Demolhar bem é metade do sucesso
De acordo com a VortexMag, mesmo o melhor bacalhau pode ser arruinado por um mau demolhe. O processo deve ser lento, em água fria, no frigorífico, com trocas regulares da água ao longo de 24 a 48 horas, dependendo da espessura da peça.
Demolhar à pressa compromete o equilíbrio entre sal e sabor — e isso sente-se no prato.
Conclusão: o bacalhau que merece a consoada
Para uma ceia de Natal à altura da tradição portuguesa, a escolha certa é clara:
- Bacalhau de cura amarela
- Graúdo ou extra-graúdo
- Preferencialmente lombo alto
- Bem demolhado e tratado com respeito
O bacalhau certo não é apenas um ingrediente. É a garantia de que a mesa de Natal honra o passado, satisfaz o presente e cria memórias para o futuro.





