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TIRA CHAPELINHOS, PÕE AMEIAS
E a Sé de Lisboa? Olhamos para ela, com as suas torres ameadas que mais parecem de castelo do que de igreja, e pensamos: aqui está um edifício com quase dez séculos de idade… Mas não. Se a catedral lisboeta, como outras por esse País fora, é realmente de fundação muito antiga, a Sé que os nossos pais ou avós viam não é exatamente a mesma que agora ali se encontra.
O templo foi mandado construir por D. Afonso Henriques logo a seguir à conquista da futura capital de Portugal aos muçulmanos, em 1147, no mesmo local onde se erguia a grande mesquita da cidade. Naturalmente, ao longo dos tempos a Sé foi recebendo acrescentos e alterações, sempre de acordo com o estilo usado na época da intervenção. Daí resultou uma mistura de traças, desde o Românico puro dos primeiros tempos até ao Barroco de D. João V, passando pelo Gótico de D. João I.
Até aqui, tudo bem. O estranho foi quando, há pouco mais de cem anos, se resolveu restituir a Sé à traça primitiva, seja lá isso o que for. A Idade Média, com as suas tonalidades românticas, inflamava as imaginações. Aliás, o mesmo tinha sido feito noutros países europeus, a começar pela França, cujas imponentes catedrais haviam sido quase reerguidas na primeira metade do século XIX.
Começou então a dança da Sé alfacinha.
Em séculos passados o templo já tinha possuído uns pináculos cónicos a coroarem-lhe as torres. Estes “chapéus” caíram com o terramoto de 1755 e as torres passaram então a ser rematadas por uma espécie de parapeitos metálicos. Era assim a Sé dos finais do século XIX. Resolveu-se às tantas proceder a uma intervenção, e uns remates cónicos voltaram a ser construídos.
Foi essa a Sé que conheceram os jovens da geração de 1910-1920. O Estado Novo decidiu depois conferir à igreja um ar mais sólido e, para tal, derrubou os pináculos e encheu as torres de ameias, talvez para fazer conjunto com as do Castelo de São Jorge. O resultado, que é o que ali vemos agora, tem portanto menos de um século.
Por isso nos enganamos quando, olhando para os monumentos da Idade Média, pensamos com os nossos botões: ora aqui está uma construção sólida, que resistiu como uma rocha à passagem dos séculos…
MENTIRA N.º 6
Estivemos 500 anos em África
Não estivemos. A nossa presença efetiva nas colónias africanas tal como as entendemos não excedeu algumas décadas.
Antes do 25 de Abril de 1974 era frequente ouvir-se falar da “presença portuguesa de 500 anos em África”. Segundo a teoria oficial do regime e a ideia-feita que já vinha da I República, Portugal teria estado meio milénio no continente africano, e seria para pôr fim a essa longa permanência que os “terroristas”, armados por potências estrangeiras, nos moviam guerra “a partir do exterior”. Uma vez que o ensino era orientado, a informação censurada e o debate inexistente, a opinião pública imaginava que Angola e Moçambique “sempre” tinham sido o que eram.
Ora, a efetiva presença portuguesa em África, longe de ter durado 500 anos, não excedera algumas décadas, com especial incidência na primeira metade e nos meados do século XX. O equivalente à duração temporal dos impérios africanos de outros países europeus: Inglaterra, França, Bélgica, Itália e Alemanha.
É certo que os primeiros contactos do nosso país com as costas africanas remontam ao século XV, e nisso fomos mesmo pioneiros. Mas o estabelecimento de feitorias costeiras vocacionadas para o tráficos de ouro, marfim e escravos não basta para que se fale de colonização de países ou de povos.
Foi só na segunda metade do século XIX, depois da Conferência de Berlim, que a Europa definiu as regras a serem obedecidas na corrida às riquezas de África. E a primeira das regras a cumprir para que um país europeu pudesse reivindicar direitos a um território africano consistia na sua ocupação efetiva.
E foi assim que, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, Portugal se envolveu em grandes guerras em África. Chamava-se-lhes “de pacificação”. A mais popular delas foi a que culminou na destruição do Império Vátua do Sul moçambicano e na prisão do seu soberano, Gungunhana, num raide comandado pelo capitão Mouzinho de Albuquerque. Passou-se isso em 1895, e seguiram-se muitas outras campanhas, quer em Moçambique quer em Angola, até 1940. Portanto, só nas décadas de 40 e 50 do século XX é que a África “portuguesa” adquiriu os contornos que muitos ainda conhecemos: habitada por centenas de milhares de compatriotas nossos.
Já agora: a grande importância histórica de Portugal está relacionada, não com a colonização africana, mas com a abertura da rota marítima para a Índia e para os países asiáticos mais além. Inaugurámos os contactos e as trocas entre o Ocidente e o Oriente. Quanto à maior obra portuguesa no mundo, terá sido a criação do Brasil tal como ele hoje existe, e que, preconceitos à parte e encarado com objetividade, é mesmo “um imenso Portugal.”
(cont.)