As fronteiras entre Portugal e Espanha guardam histórias tão intrigantes quanto inspiradoras. Ao longo dos séculos, estas linhas divisórias não foram apenas marcos geográficos, mas também cenários de resistência, solidariedade e sobrevivência. Apesar de períodos de guerra e tensões políticas entre os dois países, as comunidades raianas desenvolveram relações únicas, pautadas por amizade, laços familiares e uma forte identidade comum.
Duas aldeias emblemáticas ilustram perfeitamente esta realidade: Rio de Onor, em Bragança, e Marco, em Arronches. Ambas se encontram literalmente divididas ao meio pela fronteira, com uma parte do lado português e outra do lado espanhol. No entanto, mais do que separá-las, a linha imaginária que atravessa estas povoações une-as numa história rica de partilha e identidade.
Rio de Onor: entre o “povo de acima” e o “povo de abaixo”
Rio de Onor é uma aldeia transmontana única, não só pela sua localização, mas também pela sua história e tradições. A parte espanhola da aldeia é conhecida como Rihonor de Castilla, mas para os habitantes locais, a distinção é simples: o “povo de acima” (do lado espanhol) e o “povo de abaixo” (do lado português).
Durante séculos, Rio de Onor destacou-se pelo seu modelo de vida comunitário. Esta forma de organização significava que os habitantes partilhavam recursos como o forno comunitário, terras agrícolas e até um rebanho comum. Cada família tinha o dever de contribuir para as tarefas coletivas, o que promovia um sentido de pertença e cooperação que marcou profundamente a identidade da aldeia.
A aldeia possui ainda características arquitetónicas típicas da região transmontana, com casas de dois andares, onde no piso superior residiam as famílias e no inferior guardavam-se os animais, cereais e outros produtos agrícolas.
Outro traço distintivo de Rio de Onor é o seu dialeto próprio, que pertence ao grupo asturo-leonês e é próximo da língua mirandesa. Infelizmente, este património linguístico encontra-se hoje em risco de extinção, sobrevivendo apenas em memórias e esforços pontuais de preservação.
Marco e El Marco: onde a fronteira é uma ponte
A cerca de 300 km a sul, encontramos a aldeia de Marco, em Arronches, igualmente dividida pela fronteira. A parte espanhola é chamada El Marco, e ambas estão unidas por uma peculiar ponte sobre a ribeira de Abrilongo, conhecida como a menor ponte internacional do mundo.
Construída há cerca de 12 anos, esta ponte tem apenas 6 metros de comprimento e 1,95 metros de largura, sendo usada sobretudo por pedestres e veículos de duas rodas. Antes desta estrutura moderna, existia uma passagem improvisada: uma simples chapa metálica que frequentemente era levada pelas águas nos dias de maior chuva.
A história da aldeia está repleta de episódios de contrabando, especialmente durante os períodos em que as fronteiras eram rigidamente vigiadas. Portugueses e espanhóis cruzavam a linha para trocar produtos que não eram facilmente acessíveis em seus próprios países. Portugueses procuravam talheres e vinho espanhóis, enquanto os espanhóis vinham a Portugal em busca de café e toalhas.
Com a entrada de ambos os países na União Europeia e a abolição dos controlos fronteiriços, o contrabando desapareceu, mas a interligação entre as duas comunidades permanece viva. Hoje, muitos habitantes de El Marco dirigem-se à parte portuguesa para fazerem as suas compras diárias, aproveitando as mercearias ainda abertas do lado de cá da fronteira.
Uma cultura partilhada: o Alentejo em terras espanholas
Curiosamente, refere a VortexMag, esta região de Marco e El Marco reflete uma colonização alentejana ocorrida no final do século XIX. Muitos camponeses portugueses fixaram-se nas terras vizinhas de La Codosera, em Espanha, deixando uma marca cultural tão forte que hoje podemos falar de um “Alentejo espanhol”.
As casas tradicionais das aldeias espanholas desta região têm características inconfundivelmente alentejanas, com as suas linhas simples, cores claras e funcionalidade rural. Esta fusão cultural é um testemunho da convivência pacífica e das influências mútuas entre os dois lados da fronteira.
Laços que sobrevivem ao tempo
Tanto em Rio de Onor como em Marco, o passado comunitário e as trocas transfronteiriças moldaram comunidades únicas, onde o sentido de pertença transcende a divisão política. Estas aldeias são exemplos vivos de como a geografia pode unir mais do que separar.
Hoje, à medida que a modernidade avança e as populações envelhecem, estas histórias de união e partilha tornam-se ainda mais preciosas. Preservar as tradições, os modos de vida e as memórias destas aldeias é essencial para garantir que continuem a inspirar gerações futuras com o seu exemplo de resiliência e cooperação.
Em Rio de Onor e Marco, a fronteira não é um limite, mas sim uma ponte entre culturas, histórias e pessoas.