Portugal tem uma história longa, com quase 9 séculos. Desde o início, o momento da fundação do Reino de Portugal, muitos foram os portugueses que se destacarem. Nestes quase 900 anos, foram muitas as figuras nacionais que conseguiram criar um legado. Há nomes que brilharam em diferentes áreas, nomeadamente ciência, matemática, letras, entre outras. Essas pessoas têm uma ligação especial à terra onde nasceram.
Essas aldeias, vilas ou cidades também dedicam uma atenção especial a essas personalidades. São heróis da terra. Uma dessas pessoas é Aristides de Sousa Mendes, um dos nomes mais importantes da história de Portugal. Ele criou um legado difícil de igualar, salvando a vida de inúmeras pessoas, enfrentando até o homem mais poderoso do país, António de Oliveira Salazar. Conheça a terra que viu crescer um homem que se tornou num herói do mundo.
Cabanas de Viriato é uma freguesia nacional que se encontra no concelho de Carregal do Sal. Esta é uma das vilas mais típicas do país. Diz-se que nesta terra Viriato abrigou-se das agruras da Serra da Estrela e das perseguições dos romanos. Além da povoação reclamar para si a natalidade de Viriato que foi chefe dos Lusitanos, um povo que antecedeu a fundação do reino de Portugal, também viu nascer um herói português.
Em Cabanas de Viriato, podem encontrar-se visíveis vestígios de velhas casas solarengas. No entanto, há uma que desperta mais curiosidade. Trata-se da habitação onde Aristides de Sousa Mendes viveu. Este herói do mundo, dos tempos do holocausto, nasceu no dia 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato, Viseu. Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, após ter-se licenciado em Direito na Universidade de Coimbra, em 1907, optou por seguir a carreira diplomática.
Trabalhou como cônsul na Guiana Britânica, em Zanzibar, também no Brasil (Curitiba e Porto Alegre) e ainda nos Estados Unidos da América (São Francisco e Boston). Também foi cônsul em Espanha (Vigo), no Luxemburgo, na Bélgica e, finalmente, em França (Bordéus), onde uma decisão heroica levou ao fim a sua carreira diplomática.
Em 1908, casou-se com Angelina. Esta mulher era prima de Aristides de Sousa Mendes e tornou-se a sua companheira de vida. Desta relação, nasceram 14 filhos. Aristides era um homem de convicções, um homem católico, monárquico e conservador. O Golpe de Estado que ocorreu no dia 28 de maio de 1926 foi um acontecimento que trouxe vantagens a Aristides. Este momento teve como consequência a queda da Primeira República Portuguesa e levou à instauração da Ditadura Militar, o que foi positivo para ele.
António de Oliveira Salazar tornou-se presidente do Conselho de Ministros no ano de 1932. Mais tarde, Salazar nomeou César de Sousa Mendes para a pasta dos Negócios Estrangeiros. Este homem era irmão gémeo de Aristides de Sousa Mendes. O irmão de Aristides desempenhou este cargo importante por apenas nove meses. No entanto, Aristides tornou-se Cônsul em Bordéus. Foi em França que Aristides de Sousa Mendes assistiu ao início da II Guerra Mundial.
António de Oliveira Salazar (1889 -1970) demonstrou ser neutro, não tendo uma opção política no conflito. A decisão de Salazar era estratégica e tinha prós e contras. Como Salazar previa que poderia vir um afluxo de refugiados para o nosso país, ele enviou novas regras para a concessão de vistos ao corpo diplomático.
O documento (Circular nº 14, de novembro de 1939) enviado por Salazar, proibia todos os cônsules de concederem a “estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio”, apátridas e judeus, passaportes ou vistos, “quer tenham sido expulsos do seu país de origem ou do país de onde são cidadãos”. Desta forma, esta ordem era clara e objetiva. No entanto, foi vista por Aristides de Sousa Mendes como desumana. Por isso, ele desobedeceu.
Em junho de 1940, perante a ofensiva da Blitzkrieg alemã, o Governo de França abandonou Paris e tornou Bordéus a capital. Foi neste contexto que surgiram tropas em retirada e civis a rumar para o sul em pânico, viajando pelas estradas apinhadas. Após as pessoas chegarem a Bordéus, milhares de refugiados queriam arranjar uma solução que lhes salvasse a vida. No Consulado de Portugal podiam encontrar a salvação, se fosse feita a cedência de um visto para Lisboa. Algo que Salazar proibiu.
Aristides de Sousa Mendes teve uma decisão heroica. Apesar de ter ordens para pedir por escrito a autorização para a cedência de um visto para Lisboa, devendo ser feito o mesmo procedimento caso a caso, o Cônsul em Bordéus tomou a decisão de desobedecer às ordens de Salazar, no dia 16 de junho de 1940, um domingo.
Ao ver a cidade de Bordéus ser invadida com diversos refugiados a necessitar de ajuda, Aristides de Sousa Mendes não hesitou e decidiu algo que mudou a sua vida e a de milhares de pessoas. O Cônsul de Bordéus sabia o que os nazis eram capazes de fazer a todas aquelas pessoas. Por isso, decidiu dar vistos a todos os que necessitavam, independentemente das respetivas nacionalidades, raças ou religiões.
Desta forma, ele contrariou a ordem de António de Oliveira Salazar. O Cônsul de Bordéus sabia que o seu dever de obediência enquanto funcionário era inferior ao seu dever enquanto ser humano. O seu gesto humanitário impunha-se neste contexto. Sem hesitar, Aristides decidiu sacrificar a sua posição. Por isso, para evitar a morte de inocentes, este português prescindiu da sua carreira, sabendo que iria sofrer as consequências dessa sua decisão.
No dia 16 de junho de 1940, tomou a decisão que tudo mudou. Ele decidiu salvar vidas, enquanto estivesse em funções. Os dias seguintes foram passados a assinar diversos vistos a todas as pessoas que necessitassem. Fê-lo sem interesses, sem cobrar qualquer taxa. Só no dia 23 de junho é que deixou de ter esse poder, após Salazar ter telegrafado para Bordéus. Nesse momento, comunicou a demissão de Sousa Mendes. Salazar considerou que a desobediência do Cônsul de Bordéus era uma afronta intolerável. Por isso, pretendeu fazer dele um exemplo e instaurou-lhe um processo disciplinar.
O castigo dado a Aristides de Sousa Mendes serviria, assim, como um alerta para a administração pública em geral, e para o corpo diplomático, em particular. Todos deveriam perceber que uma ordem de António de Oliveira Salazar não devia ser contrariada nunca, em nenhuma circunstância.
Por isso, Aristides de Sousa Mendes, já como ex-cônsul, foi condenado a “um ano de inatividade com direito a metade do vencimento da categoria, devendo em seguida ser aposentado.” Sousa Mendes foi um herói, mas o seu fim não foi heroico. Ele “afundou-se” quando ainda tinha a seu cargo muitos filhos. A sua decisão levou a que fosse constantemente ameaçado pela fome.
Este contexto delicado em que ele e a sua família se encontravam, levaram a que ele sentisse a necessidade de aceitar o apoio dado pela Comunidade Israelita de Lisboa, nomeadamente através da oferta de refeições. A comunidade judaica também o ajudou, ao facilitar a emigração de alguns dos filhos de Aristides para os Estados Unidos da América. Ficou reformado aos 55 anos, porque nem sequer teve o direito de exercer a sua profissão de advogado. Aristides de Sousa Mendes também não teve licença de condução. Foi-lhe retirada a carta que tinha obtido no estrangeiro.
Assim, este herói português viveu e morreu na mais negra miséria. O seu último sopro ocorreu no dia 3 de abril de 1954, em Lisboa. Aristides de Sousa Mendes morreu no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco, devido a uma trombose agravada por uma pneumonia. Em Jerusalém, há uma homenagem feita a Aristides. No memorial Yad Vashem, dedicado às vítimas do Holocausto, podemos encontrar uma árvore com o nome de Aristides de Sousa Mendes, “o Schindler português”.
O seu feito também seria merecedor de um filme que tivesse o mesmo impacto global. Aristides de Sousa Mendes desobedeceu a ordens diretas de António de Oliveira Salazar, o homem mais poderoso de Portugal, para salvar, de morte certa, mais de 30 mil pessoas perseguidas pelos nazis. Como vimos, essa decisão foi trágica para si. Ele sabia que seria prejudicado, mas fê-lo sabendo dessas consequências.
Conheça outras histórias de heróis portugueses:
Casa de Aristides de Sousa Mendes
Esta casa é também conhecida por Casa do Passal. Aristides de Sousa Mendes era um homem de rara sensibilidade artística. Esse lado do humanista encontra-se bem presente na sua antiga moradia e quinta de São Cristóvão.
Morada: Ed. Campos Lobo, Cabanas de Viriato, 3430-618 Carregal do Sal
Contactos: [email protected]
Mais informações, aqui.