Há portugueses com um percurso de vida fascinante. Ao longo da história de Portugal, muitas pessoas realizaram feitos que permitiram que tivessem um lugar de destaque. Foram vários portugueses a alcançarem sucesso nas mais diferentes áreas, sendo reconhecidos como personalidades ilustres. Há também outras pessoas que realizaram feitos que lhes trouxeram fama na época em que viveram, mas foram esquecidos. Um desses homens morreu nas suas funções num país estrangeiro. Já ouviu falar em António Fogaça? Muitos desconhecem o que António Fogaça sofreu no Reino Unido…
António Pantaleão Fogaça é o nome do português que merece este artigo. O nascimento dele terá acontecido por volta de 1510, na cidade do Porto. António casou-se com Isabel Ribeiro de Vabo. Com esta mulher, teve uma filha, Maria do Vabo Pimentel, em 1530. Mais tarde, a sua filha veio a casar com Brás de Anhaia Galego Soromenho, tendo dado origem à família Soromenho em Portugal.
No ano de 1569, António Fogaça escreveu a William Cecil (que era então o secretário de Estado, sendo considerado o principal conselheiro da rainha Isabel I, durante a maior parte do seu reinado), após ter realizado uma viagem a Portugal, espaço no qual terá acertado uma missão com o regente, cardeal D. Henrique, a oferecer-se para intermediar o conflito originado pelo comércio clandestino dos ingleses nas possessões portuguesas.
À carta, ele tinha adicionado um papel em que ele era recomendado enquanto pessoa idónea, alguém capaz de negociar a amizade entre príncipes. Cerca de um mês mais tarde, a rainha de Inglaterra passou um passaporte a António. Por isso, em dezembro, o português desembarcava em Portugal com essa missão.
No entanto, António não chegou a ser recebido pelo conselho de Estado. Contudo, obteve resposta positiva por parte de D. Sebastião, que tinha ascendido ao trono nesse ano. O português manteve conversações em simultâneo com o embaixador castelhano em Lisboa.
Em fevereiro, Fogaça encontrava-se de volta a Londres e apresentou-se com três navios carregados de especiarias, o “maná” que os ingleses desejavam poder negociar de modo direto, mas cujo comércio o nosso país não deixava sair de Lisboa. Desta forma, ele prosseguiu com as negociações entre os dois reinos, sempre sob a vigilância de Castela.
No ano de 1579, quando ele embarcava em Londres com destino a Portugal, Fogaça foi preso, talvez devido a uma denúncia. As autoridades locais decidiram revistar o português e descobriram uma série de documentos que confirmavam a atividade de espionagem, estando ele ao serviço do inimigo católico.
Ele estava também do lado da rainha Maria da Escócia, conspirando contra a irmã Isabel. O português aproveitava o seu relacionamento privilegiado com conselheiros da monarca britânica, para passar muita informação ao duque de Alba, quando ele se encontrava a governar os Países Baixos. Fogaça informara e influenciara os embaixadores portugueses e castelhanos durante anos.
António foi um homem influente que chegou a morar na capital britânica no tempo do reinado de D. Sebastião. Ele tratou da manutenção de paz estabelecida entre duas nações importantes, Portugal e Inglaterra. Contudo, também foi espião de Castela. Além disso, meteu-se no conflito entre católicos e protestantes. Por isso, perdeu a liberdade e a fortuna.
Em 1582, chegou aos ouvidos de Filipe I (de Portugal) que António Fogaça se encontrava preso. O português pedia-lhe ajuda, tendo defendido que tinha trabalhado em seu favor ao longo de oito anos. O rei Filipe I pediu ao embaixador em Londres que apurasse o assunto.
Esse homem confirmou ao monarca a prisão feita ao português que tinha efetivamente realizado esse serviço de espião. O embaixador em Londres adiantou que Fogaça se mantivera fiel, mesmo quando se encontrou sob tortura.
O rei Filipe I deu ordem ao embaixador em Londres para que ele diligenciasse no sentido de assegurar a libertação do espião de Portugal, o que poderia significar o pagamento da estada na prisão e das dívidas que António, entretanto, contraíra, fosse para obter informação, fosse para sobreviver num contexto em que o dinheiro lhe escasseava.
António Pantaleão Fogaça morreu no 15 de março de 1587. A sua morte acontece cinco anos após ele ter sido liberto. A sua libertação surge devido à ação do embaixador do rei Filipe II de Espanha, que na época era também I de Portugal.
Na Torre de Londres, tinham estado presos poucos portugueses. António Fogaça esteve preso entre 1579 e 1582. Ao longo desse período, o espião português foi torturado, várias vezes.
O português deixou escrito um desabafo na sala de tortura da Torre de Londres. António Fogaça deixou lá uma marca da sua passagem. Num instrumento de tortura, deixou gravada uma só palavra…
Reinaldo Ferreira visitou a Torre de Londres em 1930. O jornalista e escritor visitou uma exposição de instrumentos de tortura que tinham sido usados entre 1500 e 1600. Naturalmente, os prisioneiros que passaram por aqui foram sujeitos às mais incríveis formas de convencimento.
Num instrumento usado para “estoirar braços”, viu algo que o surpreendeu. Reinaldo Ferreira escreveu a sua reação: “escrito ou melhor riscado com o bico dum prego ou algo semelhante, um vocábulo inconfundivelmente português, uma obscenidade, o mais lusitano e clássico dos palavrões… E é pena não vos poder dizer qual”.
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Apesar de se reconhecer que é necessário dar um desconto às palavras de Reinaldo Ferreira, porque os homens deste tipo de jornais têm uma imaginação muito fértil, Reinaldo Ferreira afirmou ter contactado o conservador do museu.
Este responsável pelo espaço explicou ao jornalista português que os juízes mandavam fechar os presos na sala da tortura. Faziam-no antes e nos intervalos dos interrogatórios. Desta forma, tentavam convencer os presos a falar e a aceitar as acusações. Neste local, havia correntes eriçadas, “e muitos, na aflição e na perspectiva da dor, riscavam com esses pregos desabafos curtíssimos.”
Clark Petterson defendeu que muitas horas foram gastas a refletir sobre o dito vocábulo. Ele disse ao jornalista português sobre esses desabafos escritos: “Todos estão (escritos) em inglês exceto dois; e destes dois, um está em alemão e calculo quem o tivesse feito; o outro, aquele que lhe interessa, ignorava eu a que idioma pertencia. E já que o sr. diz que é palavra portuguesa, posso facilmente informá-lo se algum português sofreu tormentos na Torre de Londres, na época em que lá estavam esses aparelhos.”
Ora, dois dias mais tarde, Clark Petterson informava o nome, António Fogaça. No entanto, ele não sabia adiantar-lhe mais nada acerca do prisioneiro…