Um novo alerta sanitário europeu está a gerar preocupação entre as autoridades e os consumidores. O protagonista é um peixe de aparência inofensiva, sabor delicado e textura amanteigada — mas com um potencial perigoso escondido no prato. Trata-se do peixe-manteiga, também conhecido como escolar (Lepidocybium flavobrunneum), uma espécie de águas profundas cuja carne é tão apreciada quanto controversa.
Apesar de proibido em países como o Japão e a Itália, o seu consumo continua a ser legal em Portugal, onde se encontra em restaurantes, sobretudo de sushi, e em algumas peixarias.
Um peixe com sabor requintado… e efeitos inesperados
O escolar ganhou fama pelo seu sabor intenso e textura firme, que lembram o atum ou o bacalhau negro, tornando-o uma presença frequente em pratos de autor e em menus japoneses. No entanto, o que muitos consumidores desconhecem é que esta iguaria pode transformar uma refeição sofisticada num episódio de mal-estar físico.
A Administração Veterinária e de Alimentos da Dinamarca (Fødevarestyrelsen) emitiu recentemente um alerta internacional, sublinhando que o peixe contém altas concentrações de ésteres de cera, uma gordura natural indigerível pelo organismo humano.
Estes compostos podem provocar efeitos laxantes severos, semelhantes aos causados pelo óleo de rícino, levando a náuseas, cólicas abdominais, diarreia intensa e desconforto gastrointestinal que podem durar várias horas.
Cozinhar não é opcional: é uma questão de segurança
O alerta dinamarquês é claro: o perigo aumenta quando o peixe é consumido cru ou mal passado. As autoridades recomendam cozinhar o escolar a temperaturas elevadas, seja por fervura, grelhado ou fritura profunda, para reduzir a presença das ceras indesejáveis.
Outro aviso essencial prende-se com a água da cozedura e as gorduras libertadas durante o processo: estas não devem ser reutilizadas, uma vez que continuam a conter as substâncias responsáveis pelos efeitos adversos.
Entre os métodos mais arriscados está o fumar a frio, uma técnica comum na gastronomia nórdica e japonesa que não atinge temperaturas suficientes para eliminar as ceras. Por esse motivo, a Dinamarca proibiu o escolar fumado a frio, reforçando as restrições ao seu consumo.
Proibições e regras que variam de país para país
Os riscos do peixe-manteiga não são novidade. O Japão — país com uma das legislações alimentares mais rigorosas do mundo — baniu completamente a sua comercialização há mais de duas décadas, após inúmeros casos de intoxicação. A Itália seguiu o mesmo caminho, considerando o escolar um risco para a saúde pública.
Em Espanha e Dinamarca, a venda permanece legal mas fortemente regulada, com obrigação de rotulagem clara e avisos ao consumidor. Já em Portugal, o cenário é distinto: o peixe continua legalmente disponível, muitas vezes vendido sob o nome de “peixe-manteiga”, o que leva muitos consumidores a desconhecerem a sua verdadeira origem e os riscos associados.
A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) não impõe proibição, mas recomenda moderação e cuidado na preparação, salientando que o consumo deve ser ocasional e sempre bem cozinhado.
Entre o prazer e o perigo: um dilema à mesa
A polêmica em torno do escolar divide opiniões. Para alguns chefs e apreciadores de peixe, é uma iguaria exótica de sabor inigualável, uma experiência gastronómica que vale o risco. Para outros, é um alimento a evitar, um “prazer proibido” que esconde armadilhas digestivas e falta de transparência comercial.
Especialistas em segurança alimentar sublinham que a informação ao consumidor é essencial. Muitos portugueses não fazem ideia de que o “peixe-manteiga” servido nos pratos de sushi ou nas vitrines das peixarias não é o tradicional peixe de manteiga da Noruega, mas sim o escolar — uma espécie completamente diferente e potencialmente prejudicial.
A importância de saber o que se come
De acordo com o Postal, o alerta das autoridades europeias volta a trazer à mesa uma questão que vai muito além de um simples prato: sabemos realmente o que estamos a comer? Num país em que o mar é parte da identidade cultural e gastronómica, a segurança alimentar deve caminhar lado a lado com a tradição.
O escolar continua legal em Portugal, mas o seu consumo exige informação, precaução e responsabilidade — tanto de quem vende como de quem consome. Afinal, o que em muitos países é considerado um risco para a saúde pública, por cá continua a ser servido sem grandes restrições. Um peixe de sabor requintado, mas que pode deixar um amargo — e inesperado — sabor na memória.