O número de estrangeiros notificados para abandonar Portugal aumentou de forma expressiva durante o primeiro semestre de 2025, marcando uma viragem nas políticas migratórias e no controlo administrativo do país. Segundo dados divulgados pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), foram emitidas 9.268 notificações de abandono voluntário, um valor que representa um salto sem precedentes face aos números do ano anterior.
O novo Relatório de Migrações e Asilo 2024, publicado na página oficial da AIMA, revela uma recuperação significativa do regime de retorno, que esteve praticamente suspenso durante o processo de extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Esta retoma, explica o documento, foi possível apenas em 2025, depois de ultrapassadas as “dificuldades operacionais” associadas à transição institucional e à aplicação do mecanismo de manifestação de interesse, através do qual milhares de imigrantes aguardavam resposta sobre a sua situação em território nacional.
Um salto de 446 para 9.268 notificações: o impacto da recuperação do regime de retorno
Em 2024, tinham sido registadas apenas 446 notificações de abandono voluntário, um número residual face ao que se verifica agora.
O aumento exponencial em 2025 reflete, segundo a AIMA, o retomar do controlo migratório e a necessidade de regularizar situações pendentes de cidadãos estrangeiros que residiam sem autorização válida.
O relatório justifica a divulgação antecipada dos dados referentes ao primeiro semestre de 2025 com o “relevo da variação de tendência verificada”, que traduz uma mudança estrutural na política de gestão de migrações em Portugal.
Mais de 18 mil pedidos de residência recusados
Em maio deste ano, o Governo confirmou que a AIMA havia recusado 18 mil pedidos de autorização de residência, com os respetivos requerentes a serem notificados para abandonar o país no prazo de 20 dias. Estas notificações inserem-se na nova política de retorno voluntário, que procura equilibrar a integração responsável com o cumprimento rigoroso da lei.
Para além das notificações de abandono, foram instaurados 195 processos de afastamento coercivo até ao final de 2024, maioritariamente dirigidos a cidadãos oriundos do Brasil (31), Argélia (20), Marrocos (19) e Índia (14).
Retornos voluntários e apoio humanitário
A AIMA registou ainda 352 pedidos de apoio ao retorno voluntário, tendo sido 161 cidadãos efetivamente apoiados — 149 dos quais brasileiros. Estes programas de regresso assistido são desenvolvidos em articulação com organizações internacionais e visam garantir condições de dignidade e segurança a quem decide regressar ao seu país de origem.
Mais fiscalização, mais processos: um aumento de 183% nas contraordenações
Outro dado que ilustra a nova realidade migratória é o crescimento de 183% no número de processos de contraordenação, que atingiram os 3.470 casos. Entre estes, destacam-se 1.871 por falta de declaração de entrada e 884 por permanência ilegal em território nacional. Esta tendência reflete uma maior capacidade de fiscalização por parte das autoridades e uma reorganização profunda da estrutura migratória portuguesa, que procura equilibrar acolhimento e controlo, integração e legalidade.
Portugal com mais de 1,5 milhões de estrangeiros residentes
Apesar das medidas de regulação mais apertadas, o relatório confirma que o número de estrangeiros a residir legalmente em Portugal quadruplicou em apenas sete anos, atingindo cerca de 1,5 milhões de pessoas no final de 2024. Este crescimento sem precedentes coloca novos desafios ao país, que precisa de reforçar as políticas de integração, habitação e emprego, sem comprometer a ordem administrativa e a segurança jurídica.
900 mil contactos e 230 mil novos cartões de residência emitidos
A Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes na AIMA teve, ao longo do último ano, um papel central na reorganização do sistema. Em apenas doze meses, contactou mais de 900 mil cidadãos estrangeiros, realizou 600 mil atendimentos presenciais, analisou 480 mil registos criminais, decidiu 490 mil processos e emitiu mais de 230 mil cartões de residência.
Este esforço revela uma tentativa de devolver eficiência e credibilidade ao sistema migratório português, marcado nos últimos anos por atrasos, falhas de comunicação e um acentuado acúmulo de processos.
Entre a integração e a regulação: o equilíbrio difícil de uma nova era migratória
De acordo com o Postal, Portugal vive hoje um momento decisivo na gestão das migrações. De um lado, a necessidade de acolher e integrar quem procura uma vida melhor; do outro, a urgência de garantir que o país mantém regras claras, processos transparentes e fronteiras administrativamente controladas.
A recuperação do regime de retorno e o aumento das notificações de abandono voluntário refletem uma nova fase de afirmação da soberania administrativa, mas também colocam o debate sobre a humanização das políticas migratórias no centro da agenda nacional.