D. Sebastião é protagonista de diversas estórias mirabolantes. Desta feita, é o seu nome que é usado indevidamente por um açoriano que se fez passar por D. Sebastião.
Portugal tem uma história tão rica, quanto vasta. A monarquia é um período longo e interessante da nossa história. Uma das personalidades mais fascinantes da monarquia é D. Sebastião. Sendo um rei que assumiu o trono muito jovem, cometeu alguns erros e o seu trágico desaparecimento revelou-se uma consequência nefasta dos seus erros, penalizando-o a ele e aos portugueses.
No presente artigo, não nos focaremos na imprudência do Rei, mas no aproveitamento de um desconhecido açoriano que pretendia viver como um rei. Algo que todos podem desejar, mas nem todos arriscam a sua vida a fingi-lo…
O açoriano que se fez passar por D. Sebastião e viveu como um rei
D. Sebastião (1554-1578)
D. Sebastião nasceu no ano de 1554, em Lisboa, mais precisamente no dia 20 de janeiro. Este rei, que ficou conhecido pelo cognome de “O Desejado”, era filho de João Manuel, Príncipe de Portugal e de Joana de Áustria, Princesa de Portugal.
Este rei assumiu o trono cedo, mas enquanto D. Sebastião se encontrava na menoridade, foi o seu tio-avô D. Henrique que realizou o papel de regente de Portugal. O Cardeal D. Henrique serviu como regente até 1568.
D. Sebastião foi rei cedo e não chegou a casar, nem chegou a ter filhos, algo que se revelou um problema quando faleceu no dia 4 de agosto de 1578, na Batalha de Alcácer Quibir.
O desaparecimento
O “desaparecimento” de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir fragilizou a nação, contribuindo para deixar Portugal num contexto extremamente delicado. Ao não ter deixado sucessor, D. Sebastião levou a nação a recorrer a uma solução provisória,
pois coube a D. Henrique o papel de assumir a coroa do reino.
Contudo, o seu tio-avô, que era o seu parente mais próximo, já era idoso. Além disso, havia outro problema. Era Cardeal, por isso o Rei-Cardeal não tinha mulher e também não tinha filhos.
D. Henrique
Tendo sido o quinto filho do rei Manuel I (fruto da relação deste rei com a sua segunda esposa, Maria de Aragão e de Castela), D. Henrique nunca perspetivou ser rei.
Mesmo sendo filho, irmão e tio-avô de reis, o Cardeal tinha traçado para si outro destino: tinha uma ambição religiosa. D. Henrique pretendia ser papa. D. Henrique I, que ficou conhecido pelo cognome de “o Casto”, tornou-se “o Cardeal-Rei”.
D. Henrique foi Rei de Portugal e dos Algarves por pouco tempo. Sendo o 17º Rei de Portugal, ele morreu em 1580. Comprovou-se o que se perspetivava, D. Henrique era uma solução de recurso, morreu dois anos depois de assumir o trono, sem herdeiros diretos e foi o início de uma crise de sucessão que levou a uma luta pelo trono.
Pretendentes ao trono
Neste contexto extremamente delicado, perfilaram-se diversos “candidatos” a ocupar o trono. Entre os mais importantes estavam D. Catarina de Bragança, D. António, Prior do Crato e D. Filipe II de Espanha. Eram estes os nomes que estavam mais bem posicionados para assumir a Coroa Portuguesa.
No entanto, a coroa acabou por ficar na cabeça do Rei Espanhol, D. Filipe II de Espanha, que se tornou em Filipe I, Rei de Portugal. Foi o início da dinastia espanhola que duraria seis décadas, com três reis espanhóis chamados Filipe (I, II e III) a usarem a coroa portuguesa.
O domínio espanhol começou com o trágico desaparecimento do Rei D. Sebastião, na batalha de Alcácer Quibir. Os portugueses não gostaram de estar sob o domínio espanhol. O mito do sebastianismo instalou-se…
Assim, acreditava-se que “num dia de nevoeiro apareceria D. Sebastião, o Salvador”. Este mito levou a que alguns loucos se tentassem fazer passar pelo Rei desaparecido, mas há um que se destaca entre os falsos D. Sebastiões.
O Ermitão que se tornou em D. Sebastião (“O falso”)
Um ermitão é um religioso que não vive em comunidade. Uma pessoa que opta por viver num lugar isolado (ermo). É assim um eremita. Um homem surgiu na Ericeira e chegou a representar a esperança de muitos.
O homem era Mateus Álvares, tendo nascido na Praia da Vitória, nos Açores. Este açoriano era filho de um pedreiro e estava longe de ter sangue azul. Encontrava-se em Portugal Continental graças à sua entrega à vida religiosa. Ele passou por Óbidos, pelo Convento de Santa Cruz, em Sintra. Mateus Álvares era reconhecido como o Ermitão.
Após ter abandonado o Convento de Santa Cruz, ele refugiou-se numa gruta em São Julião, a sul da Ericeira, tendo por lá vivido vários anos.
A ocasião faz o ladrão… de identidades
Mateus Álvares era um homem magro e ruivo, que revelava diversas parecenças com D. Sebastião. Como a ocasião faz o ladrão (de identidades), Mateus Álvares aproveitou a oportunidade e tentou tirar proveito dessas semelhanças com o Rei.
Contudo, o fim não foi o desejado. Mateus Álvares não se tornou no Rei de Portugal, mas até pode ter contribuído para que o açoriano se tornasse rei da Ericeira…
D. Sebastião (“O falso”)
Assim, este D. Sebastião açoriano (que podia ter ficado conhecido pelo cognome de “O falso”) aproveitou as semelhanças com o rei, pois percebeu que a própria população segredava que “aquele homem talvez fosse mesmo D. Sebastião”.
Mesmo que na época os Reis fossem as pessoas mais importantes do país, as pessoas não conseguiam ter uma imagem perfeita de como era o rei. Hoje, facilmente seria desmascarado, pois vivemos numa era bem diferente com fotos, vídeos e imagens espalhadas por todo o lado.
Contudo, num contexto temporal em que nada disso existia, era mais fácil as confusões surgirem. Nesse tempo, era mais fácil e rápido as confusões adquirirem outras proporções e foi o que aconteceu.
O fim da imitação
A boa nova de que o Rei estava vivo, espalhou-se. A notícia ganhou dimensão e a esperança de todos contribui para deixar a população local mais confiante na possibilidade de ele ser efetivamente o rei.
Mateus Álvares tentou aproveitar a oportunidade e encarnar D. Sebastião que “desapareceu” na Batalha de Alcácer-Quibir. O mito de que D. Sebastião regressaria numa noite de nevoeiro era por todos conhecido. Por isso, a fé levou a que muitas pessoas acreditassem que Mateus Álvares fosse mesmo o Rei.
O “novo D. Sebastião”
Mateus Álvares surfou na onda da população da Ericeira, alinhou na história e viu no contexto uma oportunidade de ouro para reclamar o trono. Ele casou com Ana Susana, filha de um lavrador, e colocou na cabeça dessa mulher uma tiara roubada a uma imagem religiosa que se encontrava numa igreja.
Mateus Álvares, o “novo D. Sebastião”, assumiu o papel e exigia que as pessoas lhe beijassem a mão. Uma pessoa facilmente se habitua a ser tratado como rei. Mateus Álvares reuniu um pequeno exército (muito desorganizado e muito mal armado). Por isso, por muita ambição que tenha tido, não foi suficiente.
Apesar de ter conquistado e vencido pequenas batalhas com os seus militares amadores, o inimigo espanhol era bem mais forte, encontrava-se em maior número e estava equipado com outro poder bélico. Assim, a sua ambição levou-o à morte. O “novo D. Sebastião” morreu no dia 13 de junho de 1585, a mando das tropas de D. Filipe II.
Mensagens
Antes de ser capturado, Mateus Álvares disse: “Estais livres portugueses! Olhai bem para mim – não sou D. Sebastião, mas sou um homem bom, um bom português que vos libertou do jugo castelhano. Agora sois livres, escolhei e proclamai Rei quem quiserdes!”.
Mateus Álvares foi capturado e entregue ao rei Filipe II, tendo sido esquartejado e enforcado. A mão direita do açoriano foi cortada. A mão que chegou a servir para assinar pretensos alvarás reais foi pendurada numa porta. Esse procedimento serviu para avisar todos de que o rei Filipe não iria tolerar ousadias. Era uma forma de informar sobre quem manda.
Os portugueses ao verem a mão deveriam assim lembrar-se que as más opções têm consequências. Todos os portugueses deveriam reconhecer o Rei Filipe II (de Espanha) como Rei de Portugal. Ele foi o primeiro rei de uma dinastia espanhola que durou 60 anos, a dinastia filipina.
Como Mateus Álvares morreram muitas outras pessoas, a maior parte dos homens da sua confiança, entre eles o seu sogro. Eles morreram no “Alto da Forca”, que ainda hoje se pode encontrar na Ericeira.
Filipe II de Espanha ou Filipe I de Portugal acabou por dar carta geral de perdão às pessoas que sobreviveram, aos “rústicos do concelho de Sintra”. A história de Mateus Álvares não teve um final feliz, mas representou um grito de esperança ao espírito nacionalista, um novo fôlego.
O saber não ocupa lugar.
Infelizmente, a ignorância é cada vez maior, começando na péssima instrução hoje (aá bastantes anos, até) recebida pelas crianças e continuando no analfabetismo, já de si impressionante, ajudado por um “aborto ortográfico” feito às 3 pancadas.
Continuem, que agradam. A mim e, felizmente a muito mais gente.
Parabéns!
Achei legal essa história, pois a não conhecia, esses pequenos fatos não são tratados no ensino de história luso – brasileira nas escolas brasileiras, no entanto, D. Sebastião é parte do folclore brasileiro e ele foi adorado até a primeira metade do século XX no Brasil, houve seitas cristãs que pregaram sua volta e que ele iria reunificar o Reino, iria acabar com a República no Brasil e após isso chegaria o juízo final. Se procurar pela história de Canudos a imagem de D. Sebastião é vinculada a salvação nas pregações de Antônio Conselheiro.
nao conhecia este ” D. Sebastiao”…parabéns pelo artigo