No coração de Lisboa, onde as águas do Tejo se abraçam ao Atlântico, ergue-se a Torre de Belém, um marco de pedra que testemunhou séculos de glória e segredos. Construída no início do século XVI, sob o reinado de D. Manuel I, esta fortificação manuelina não é apenas um símbolo da era dos Descobrimentos ou um baluarte defensivo da cidade; é também um portal para o desconhecido.
Declarada Património Mundial da UNESCO, a Torre encanta com sua arquitetura esculpida e detalhes mouriscos, mas, ao cair da noite, um véu de mistério cobre as suas muralhas. Bulícios antigos falam de uma maldição, de assombrações e eventos inexplicáveis que transformam este ícone lisboeta num palco de histórias que arrepiam a alma.
A Torre de Belém foi idealizada por Francisco de Arruda entre 1514 e 1520, como parte de um sistema defensivo que guardava a entrada do porto de Lisboa. As suas linhas elegantes e simbolismo marítimo refletem a audácia de uma nação que conquistou os mares. Contudo, para além da sua imponência histórica, há algo mais que habita entre as pedras gastas pelo tempo — algo que desafia a lógica e conspira nas sombras.

O fantasma do nobre condenado
Uma das lendas mais sombrias remonta ao século XVII, quando a Torre serviu como prisão. Conta-se que um nobre, acusado de traição, foi ali encarcerado numa cela húmida e fria. Na escuridão, ele amaldiçoou os seus algozes, jurando vingança além da morte. Após o seu fim, dizem que o seu espírito se recusou a abandonar o lugar.
Guardas noturnos, através dos tempos, afirmaram ouvir passos pesados ecoando pelas escadas em espiral, mesmo quando a Torre estava deserta. Um deles, numa noite de nevoeiro, jura ter visto uma figura sombria, trajada com vestes antigas, atravessar uma parede sólida antes de se dissipar como fumo. O ar gelava, o silêncio tornava-se opressivo, e a sensação de ser observado era inevitável. Seria o nobre, ainda em busca de justiça, ou apenas o vento a enganar os sentidos?
Luzes dançantes e mistérios de guerra
Outro capítulo intrigante desenrolou-se durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar da neutralidade de Portugal, a Torre de Belém não escapou a fenómenos inexplicáveis.
Soldados destacados no local relatavam luzes misteriosas que surgiam sobre o Tejo, dançando erraticamente antes de desaparecerem nas águas escuras. Alguns suspeitavam de sinais de espiões, mas as investigações nada encontraram.
Os mais supersticiosos acreditavam serem espíritos de marinheiros perdidos, cujas almas inquietas ainda vagueavam pelas rotas que outrora navegaram.
Em noites de tempestade, quando o céu se fechava e o rio rugia, essas luzes pareciam multiplicar-se, como lanternas de um navio fantasma condenado a nunca aportar.

A mão invisível dos restauradores
Em 1983, durante trabalhos de restauro, a Torre revelou mais um segredo perturbador. Operários contaram que as ferramentas desapareciam misteriosamente, reaparecendo depois em lugares improváveis — sobre ameias ou dentro de nichos inacessíveis. Um deles, ao trabalhar numa das torres mais altas, sentiu um súbito empurrão, como se algo tentasse lançá-lo no vazio. Agarrou-se às pedras a tempo, mas o medo ficou gravado na sua memória. “Era como se a Torre tivesse vida própria”, disse ele mais tarde, com a voz ainda trémula. Estes incidentes, embora não registados em documentos oficiais, alimentam o folclore local e reforçam a ideia de que algo sobrenatural vigia o monumento.
A jovem que espera eternamente
Talvez a história mais comovente seja a de uma jovem lisboeta do século XIX. Apaixonada por um marinheiro que partiu numa expedição, ela prometeu esperá-lo junto à Torre de Belém. Ele nunca regressou, perdido talvez nas tormentas do além-mar. No entanto, ela voltou todas as noites, com o coração apertado, até que a morte a levou.
Diz-se que o seu espírito permaneceu, preso à promessa de um reencontro impossível. Em noites de lua cheia, visitantes juram ver uma figura etérea no topo da Torre, de olhos fixos no horizonte, como se o tempo pudesse devolver-lhe o amor perdido. O vento, dizem, traz consigo um lamento suave, quase inaudível, mas que corta o peito de quem o ouve.
Um lugar onde o tempo se dobra
Além destas histórias, há fenómenos que desafiam qualquer explicação. Visitantes relatam uma estranha desorientação ao subir as escadas em espiral, como se o espaço se contorcesse.
Murmúrios indistintos misturam-se ao som das ondas, e, em dias de nevoeiro, figuras fantasmagóricas parecem espreitar das ameias. A historiadora Inês Fonseca, especialista em património lisboeta, sugere que “a localização isolada da Torre e a sua história densa tornam-na um íman para lendas. Verdadeiras ou não, estas narrativas são parte da sua essência.”
Um monumento vivo
A maldição da Torre de Belém não é apenas uma coleção de contos de fantasmas; é um espelho da alma de Lisboa, uma cidade suspensa entre o passado e o presente.
Cada pedra guarda uma memória, cada sombra esconde um sussurro. Para quem a visita, seja sob o sol ou ao crepúsculo, há uma sensação palpável de que algo mais habita ali — algo que transcende o tangível, que nos faz olhar por cima do ombro ou segurar a respiração por um instante mais.
A Torre de Belém permanece, pois, não só como um tributo à glória de Portugal, mas como um enigma vivo, onde história e mito se entrelaçam. E talvez seja esse o seu verdadeiro poder: lembrar-nos que o passado não se cala — ele vive, respira e, por vezes, assombra.
Fontes:
Inês Fonseca, historiadora especializada em património lisboeta.
Relatos orais recolhidos junto de habitantes locais e trabalhadores da Torre de Belém.
Arquivos históricos sobre a Torre de Belém, disponíveis na Biblioteca Nacional de Portugal.