A Guerra da Patuleia foi a última guerra civil em Portugal, marcada por conflitos políticos entre liberais e miguelistas em 1846-1847.
A Guerra da Patuleia, travada entre 1846 e 1847, representa um dos capítulos mais turbulentos e complexos da história de Portugal no século XIX. Este conflito, também conhecido como a “Revolta dos Patriots”, opôs os Setembristas, que defendiam uma governação liberal moderada, aos Cartistas, alinhados com o governo conservador de Costa Cabral, numa luta marcada por tensões sociais, políticas e económicas.
Contexto histórico: o cabralismo e a revolta do povo
O cenário para a Guerra da Patuleia começou a ser desenhado com o surgimento do cabralismo, um sistema político instaurado por António Bernardo da Costa Cabral, que liderava como ministro durante o reinado de D. Maria II. Costa Cabral implementou uma série de reformas inspiradas nos ideais liberais, mas que, na prática, resultaram em medidas profundamente impopulares entre as classes mais desfavorecidas.
Entre estas medidas destacava-se a “Lei da Saúde”, que obrigava ao sepultamento dos mortos fora das igrejas, contrariando uma tradição secular profundamente enraizada na população. O povo, sobretudo em regiões como o Minho, via estas mudanças como uma afronta aos costumes religiosos.
Além disso, as reformas fiscais, incluindo o aumento de impostos e a criação de monopólios, como a Companhia dos Tabacos e do Sabão, aprofundaram o descontentamento. Os pequenos proprietários, camponeses e artesãos sentiam-se explorados e oprimidos, enquanto as elites económicas prosperavam.
O rastilho da revolta: a insurreição da maria da fonte
A revolta começou em março de 1846, na aldeia de Santo André de Frades, no Minho, liderada por mulheres armadas de foices e gadanhas. Conhecida como a Revolta da Maria da Fonte, esta insurreição foi um grito de revolta contra as políticas cabralistas. A insurreição rapidamente se espalhou por todo o norte do país, com populações inteiras a recusarem o pagamento de impostos e a incendiarem cartórios para destruir os registos tributários, apelidados de “papeletas da ladroeira”.
O governo respondeu com repressão militar, mas as tropas enviadas, muitas compostas por camponeses e soldados descontentes, mostravam-se relutantes em lutar contra o povo. A instabilidade culminou na destituição de Costa Cabral por D. Maria II em maio de 1846.
O escalar do conflito: de revolta local a guerra civil
Apesar da queda de Costa Cabral, as tensões persistiram. O governo, agora liderado pelo conde de Tomar, tentou restaurar a ordem, mas enfrentou uma oposição organizada dos Setembristas e da Junta do Porto, que se declarou em resistência aberta ao governo central.
O país mergulhou numa guerra civil, com o norte e o centro de Portugal dominados pelos insurgentes setembristas, enquanto o governo cabralista mantinha o controlo em Lisboa e no sul. O confronto armado intensificou-se ao longo de 1846 e início de 1847, com batalhas significativas em diversas regiões.
A intervenção internacional e o fim do conflito
Perante a escalada da violência e a incapacidade de ambas as partes alcançarem uma resolução, as potências europeias intervieram para evitar o colapso do reino. Sob a liderança da Grã-Bretanha, França e Espanha, formou-se a Quádrupla Aliança, que pressionou D. Maria II a aceitar a intervenção.
A guerra terminou formalmente com a assinatura da Convenção de Gramido, a 29 de junho de 1847. Este tratado, mediado pela aliança internacional, pôs fim aos combates, mas consolidou o regresso de Costa Cabral ao poder, marcando o início de uma nova fase de governação conservadora.
Consequências da guerra da patuleia
A Guerra da Patuleia foi a última guerra civil portuguesa, deixando profundas marcas na sociedade e na política do país.
- Impacto social:
O conflito expôs as desigualdades profundas que dividiam a sociedade portuguesa. O ressentimento das populações rurais contra as elites urbanas continuou a alimentar tensões durante décadas, influenciando movimentos políticos futuros. - Mudanças políticas:
Embora Costa Cabral tenha regressado ao poder, a sua posição foi enfraquecida, e a governação cabralista acabou por ser substituída por abordagens mais equilibradas nas décadas seguintes. - Intervenção internacional:
A Guerra da Patuleia destacou a crescente influência das potências europeias na política interna portuguesa, um prenúncio das dinâmicas geopolíticas que marcariam o século XIX. - Legado cultural:
A memória da Guerra da Patuleia e da Revolta da Maria da Fonte continua viva, sendo celebrada como um símbolo da resistência popular contra a opressão e da luta por justiça social.
A Guerra da Patuleia na história portuguesa
A Guerra da Patuleia não foi apenas um confronto entre facções políticas; foi uma expressão das profundas divisões sociais e económicas que moldavam Portugal. Apesar de ser uma das menos conhecidas guerras civis europeias, este conflito encerra lições valiosas sobre a importância da justiça social e da reconciliação política.
Hoje, a Revolta da Maria da Fonte e a Guerra da Patuleia são recordadas como marcos da história portuguesa, que nos relembram a força do povo na luta contra a injustiça e a opressão.