No dia 25 de outubro de 1147, o destino de Portugal mudou para sempre. Após um cerco de quatro longos meses, marcado por fome, fé e coragem, Lisboa foi conquistada por D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal. Foi mais do que uma vitória militar – foi um gesto fundador, um grito de independência que ecoou por séculos e fez nascer uma capital que viria a ser o coração do país.

O nascimento de um rei e de uma nação
D. Afonso Henriques nasceu em Guimarães a 25 de junho de 1111, cidade que viria a ser consagrada como o berço da nação. Filho de D. Henrique de Borgonha e de D. Teresa, cedo demonstrou ambição, coragem e uma fé inabalável no destino de um território livre e soberano.
Com apenas 14 anos, já enfrentava a própria mãe em batalha — o que simbolizava o seu desejo de autonomia política.
Foi proclamado rei em 1139, após a vitória em Ourique, e o seu reinado viria a consolidar-se com a assinatura do Tratado de Zamora em 1143.
Mas foi a conquista de Lisboa que selou o reconhecimento do poder português. D. Afonso Henriques, “O Conquistador”, tornava-se, com cada vitória, o arquiteto de uma pátria que se afirmava entre os grandes reinos cristãos da Europa.
Um cerco de coragem e sacrifício
O cerco de Lisboa começou em julho de 1147. As forças portuguesas, embora determinadas, sabiam que não seria uma conquista fácil. A cidade, fortificada e estrategicamente situada junto ao Tejo, era um bastião muçulmano bem defendido.
A chegada inesperada de uma frota de cruzados vindos do norte da Europa alterou o rumo da história. Ingleses, normandos, flamengos e alemães, a caminho da Terra Santa, decidiram unir-se a D. Afonso Henriques nesta missão sagrada.
Juntos, levantaram acampamentos, construíram engenhos de guerra e cercaram a cidade. A fome, as doenças e as tensões internas entre diferentes povos marcaram esse período. Mas a fé em Deus e a promessa de libertar Lisboa mantiveram os exércitos unidos sob a bandeira portuguesa.
A ajuda dos cruzados e o papel da fé
A presença dos cruzados foi decisiva. Para eles, a conquista de Lisboa era mais do que uma batalha — era uma cruzada santa contra os infiéis. D. Afonso Henriques soube cativá-los com sabedoria, prometendo-lhes recompensas, terras e a partilha do saque da cidade. O discurso do rei, inflamado e inspirador, apelou à coragem e à fé dos guerreiros estrangeiros.
Entre eles encontrava-se Osberno, um clérigo ou presbítero inglês, autor da carta que, até hoje, serve de testemunho direto do cerco. Preservada na Universidade de Cambridge, esta carta revela o drama e a grandiosidade de um episódio que moldou a história europeia.
Lisboa, uma cidade em chamas e esperança
Durante quatro meses, Lisboa resistiu. Os habitantes, sitiados, viram as suas reservas de comida desaparecerem e a esperança enfraquecer. As muralhas tremiam sob os ataques das torres de cerco construídas pelos cristãos.
O cheiro a fumo, o som das catapultas e o eco das orações enchiam o ar. Cada amanhecer podia ser o último — tanto para os defensores como para os conquistadores.
Quando, finalmente, os muros cederam, a cidade rendeu-se. Era o dia 25 de outubro de 1147. O som dos sinos substituiu o dos gritos, e Lisboa, enfim, voltava a ser cristã.

Entre glória e tragédia
Contudo, a vitória não foi isenta de sombras. Apesar dos esforços de D. Afonso Henriques para garantir uma rendição pacífica, parte das tropas flamengas e alemãs desrespeitou os acordos e massacrou civis muçulmanos.
A violência marcou o início de uma nova era, recordando que as conquistas também se fazem de tragédias humanas. O rei português, indignado com o desrespeito, impôs ordem e garantiu proteção aos sobreviventes.
Dessa conquista, emergiu uma nova Lisboa — uma cidade cristã, livre e reconstruída sobre as ruínas da antiga urbe mourisca.
O renascimento de Lisboa e da fé portuguesa
A restauração da diocese de Lisboa simbolizou o renascimento espiritual e político da cidade. Gilberto de Hastings, cruzado inglês e homem de fé, foi nomeado o primeiro bispo, representando a união entre os povos que participaram na conquista.
A vitória consolidou o prestígio de D. Afonso Henriques, reforçando o reconhecimento do seu reinado pela Igreja e pelos reinos vizinhos.
A cidade transformou-se num ponto vital de comércio, cultura e fé. Lisboa, que outrora resistira ao cerco, tornava-se o coração pulsante de um reino em expansão.
O legado eterno de 1147
O cerco e a conquista de Lisboa representam mais do que um episódio militar — são o símbolo da determinação e da identidade portuguesa. Foi o início de uma Lisboa que se abriria ao mundo, berço de navegadores e porta de partida para as grandes descobertas.
O dia 25 de outubro de 1147 permanece gravado na memória nacional como um dos alicerces da independência portuguesa. Foi nesse dia que Lisboa se tornou não apenas uma cidade reconquistada, mas uma capital sonhada — e conquistada — com o sangue, a fé e o sonho de um povo inteiro.




